ELENILSON NASCIMENTO,REPÓRTER DE UMA ERA
Rebelde sempre foi desde menino.Inconformado com as injustiças sociais,o falso moralismo,a corrupção que destrói o Brasil ,esse moço não tem medo de dar murro em faca de ponta.
E,já se feriu muitas vezes,mas,como um gato tem sete vidas e uma língua bocageana sempre pronta a soltar farpas contra quem merece.
a entrevista abaixo é um retrato fiel do rapaz.
Ele é ou não é uma bomba - relógio?
Elenilson Nascimento escritor baiano em entrevista.
Nossa
entrevista exclusiva deste mês, é com o escritor baiano Elenilson Nascimento, que acaba de lançar o polêmico livro de
contos "Memórias
de um Herege Compulsivo".
O
ex-professor, atual escritor e jornalista, (repórter especial e colunista) do
"Valôr Cultural" Jornal de Minas gerais e blogeiro
da Literatura Clandestiina, nos conta um pouco de sua trajetória, e os motivos
que o faz atrair um número importante de leitores.
Revista zaP!- Nome:
- "Elenilson Nascimento"
- Revista zaP!Data de nascimento:
Elenilson Nascimento- "13/01/75".
Revista zaP!- Formação educacional/profissional:
Elenilson Nascimento- "Graduado em Letras e
Jornalismo, pós-graduado em Metodologia do Ensino, mestrando na área de
Comunicação (*quase abandonando) e que até hoje "se" pergunta para
que entrou em faculdades."
Revista zaP!- Livros publicados?
Elenilson Nascimento- "Alguns poucos."
Revista zaP!- Quantos e Quais?
Elenilson Nascimento- "MEMÓRIAS DE UM HEREGE
COMPULSIVO (2009). Contos – Editora Clube de Autores.
POEMAS
PERVERSOS PARA CARTAS DE AMOR (2007). Poesias – edição independente.
OLHOS
VERMELHOS – Crônicas Indesejadas Num Lento (E Inútil) Mergulho Em
Direção Ao Nada No País Dos Bruzundangas E Outros Escritos (2006). Crônicas
– edição independente.
DIÁLOGOS
INESPERADOS SOBRE DIFICULDADES DOMADAS em co-autoria com Anna Carvalho (2005).
Contos e crônicas – CBJE.
EU,
TU E TODOS NO MUNDO (2004). Poesias – edição independente.
PALAVRAS
FALADAS FADADAS PALAVRAS (2002). Poesias – edição independente.
Organizei também três antologias para a Coleção
Literatura Clandestina.
POEMAS
DE MIL COMPASSOS (2009), Vol. 3. Poesias – Editora Clube de Autores.
POEMAS
DISPERSOS (2006), Vol. 2. Poesias – CBJE.
CONTOS
PERVERSOS (2006), Vol. 1. Contos – CBJE.
Edições
especiais.
Edições
especiais.
DEZ
POEMAS EM UM SUSPIRO (2009). Coletânea de poemas editada pelo Projeto Livro
Vivo/Prêmio de Revelação 2009.
O
meu conto “O VENDEDOR DE PICOLÉ QUE AMAVA CAPITU”, incluso no
meu livro “Memórias de um Herege Compulsivo”, foi publicado
através de um concurso literário pela Petrobrás.
E
mais algumas dezenas de antologias espalhadas por todo Brasil, ficando em 1º
Lugar no I Concurso de Literatura Virtual, classificado no II Prêmio Literário
Livraria Asabeça 2003 e Menção Honrosa no IV Concurso Internacional de Poesias,
em Cuba."
Revista zaP!- Quem o convenceu de que tinha talento?
Elenilson Nascimento- "Isso ainda não aconteceu.
Nem em sonhos. Mas aceito ajuda."
Revista zaP!- A escrita é uma vocação ou um ofício?
Elenilson Nascimento- "Eu penso que sofro apenas
de um tipo de condicionamento: sou incapaz de escrever se eu não tiver uma
convicção formada. Escrever sem "tesão" ou coisa assim é o mesmo que
sexo com uma boneca inflável.
Há,
realmente, colegas meus que escrevem por encomenda só para ganhar uns poucos
trocados na conta-corrente. Sou um cara que tem uma rotina, sou muito rotineiro
quando trabalho nos meus textos, totalmente oposto da minha vida. Não atuo por
impulso, tenho consciência de que a primeira coisa necessária para escrever é
sentar-se a bunda na cadeira e esperar. Esperar por um relâmpago. Esperar por
uma situação. Esperar por um insight. Esperar por um argumento. Minha vida toda
é uma imensa espera. E, às vezes, isso é frustrante. Eu não vou só sentar
porque tenho o impulso de escrever, eu sento-me para que esse impulso venha. É
como quem tem que se pôr a jeito para que as coisas sucedam. Provavelmente isto
desilude, vai decepcionar aquelas pessoas que têm do ofício do escritor uma
visão romântica, arrebatada, byroniana, se quisermos. Eu não sou, quer dizer,
não me vejo como um funcionário da escrita. Sou um amante da escrita. No
conjunto de todas as razões poéticas naturais, razões de ação e dicção ou,
sobretudo, nesse modo próprio de saber desde longe que escrever é compreender,
que escrever é uma libertação, a qualquer nível e em todas as direções,
escrever deixa de ser uma vocação (obrigação) somente para se tornar um ofício
(um prazer) imensurável. Mas o mal (ou o inferno) é sempre o ritmo dos outros,
a necessidade de querer saber dos outros se tal texto é bom ou não. Contudo, os
outros não têm tempo para a leitura."
Revista zaP!- Você acredita que realmente tem talento?
Elenilson Nascimento- "Nem se eu ganhasse o Nobel
de Literatura. Nem se Saramago chorasse com um livro meu. Nem se o Fantástico
fizesse uma matéria sobre mim. Nem se Jorge Amado me falasse de
joelhos..."
Revista zaP!- Profissionalização literária: permite a
sobrevivência financeira do escritor ou o afasta do seu caminho?
Elenilson Nascimento- "Por mais que eu goste
muito da palavra escrita, entrevistando jornalistas, escritores contemporâneos,
vasculhado vidas e obras dos que não estão mais vivos, é impossível formular
uma resposta única para esta pergunta. Cada momento literário tem seus próprios
dilemas. Cada autor, uma forma de lidar com o problema. No entanto, é possível
mapear os pontos de conflito e convergência entre esses dois campos ao longo da
minha curta vida de escritor. E, numa apropriação do modelo sugerido pelo
crítico uruguaio Ángel Rama em seu clássico ensaio "Dez problemas para o
romancista latino-americano", propor uma lista de dez problemas para a
maioria dos escritores brasileiros. Com isso, explicitar o que há por trás do
jogo de antagonismos entre imprensa e literatura, entre editoras e escritores.
E, ainda, a histórica e indissolúvel interação (ditadura até) entre real e
ficcional. É lastimoso saber que existem tantos autores criativos que acabam
engavetando seus manuscritos "eternamente", após inúmeras tentativas na
publicação de suas obras. Os "nãos" são constantes, talvez uma das
palavras mais usadas pelas editoras brasileiras: "Não, sua obra não se
encaixa em nossa linha editorial" ou "Nossa cota de publicação já
está esgotada, portanto, não poderemos publicar a sua obra, mas continue
tentando em outras editoras". Porque somente o Paulo Coelho, o Verissimo,
o Ubaldo, o Loyola, o Jorge Amado, o Machado de Assis, podem ser considerados
escritores? Infelizmente, no Brasil, não existe a profissão de escritor. Vou
repetir: não existe nada que facilite a vida de um cara que quer entrar nessa
área. Para a maioria escritores são aqueles caras que não trabalham e que vivem
desocupados escrevendo. Aqui no prédio onde ainda moro tem um monte de inúteis
que acham isso de mim. Quando declaro meu Imposto de Renda (não existo, mas
pago), tenho de me dizer ou jornalista, ou professor ou assemelhado. É duro,
depois de alguns anos escrevendo (e tentando viver disso) ainda seja apenas um
elemento assemelhado. Não é nem semelhante, é assemelhado mesmo! Minha
profissão não existe, não é respeitada, não é sequer catalogada. Não posso me
aposentar... Não tenho um sindicato que me represente. Estou sujeito a
contratos de direitos autorais absurdos que sempre beneficiam os editores e/ou
contratantes. Eles, todos com profissão definida. Eu como o que escrevo, e mais
nada.
E
para o Imposto de Renda, serei apenas mais um assemelhado morto, um CIC a
menos. Vão-se os dedos, ficam os dígitos. O Lula bem que poderia quebrar essa
pra gente, mesmo porque ele vai sair aí do Planalto Central e passara o resto
da sua vida a escrever uns livros de memórias, e não vai querer que na sua
biografia para esse século alguém leia: - "Ex-presidente da
República, no fim da vida tornou-se importante assemelhado"."
Revista zaP!- Na sua opinião, o dom também pode ser construído?
– Como?
Elenilson Nascimento- "Quando eu perdia o meu
tempo dando aulas em escolas que acham que professor é apenas uma massa de
manobra, costumava ouvir meus alunos dizerem coisa do tipo: - "Eu não
tenho o dom da escrita", "Não fui escolhido por Deus", "Não
recebi esse talento quando nasci", "Escrever é uma inspiração",
achava isso tudo estranho e mais estranho era quando eu descobria que outros
professores achavam o mesmo quando se veem sem ideias diante da página em
branco. Mas eu concordo mesmo é com o Augusto Fischer que numa matéria no
Jornal ABC disse que: “quem escreve pratica uma
generosidade”, principalmente numa sociedade imediatista e totalmente
alinenada como a nossa, onde as pessoas entram em universidades para aumentar a
renda e não para aprender coisas. Ora, mas se levarmos em conta a arte do
canto, por exemplo, que bem se nobilita e engrandece desde há muitos anos
perante a nossa sociedade, veremos o quanto os escritores são desvalorizados.
Observe numa liquidação de shopping: todas as lojas de departamento lotadas
quanto as livrarias só com as moscas. E nesse sentido, marmóreo e tenebroso,
onde o essencial do que se diz e sente se não perder pelo fio ambivalente e
algumas vezes subentendido de se dizer sempre uma e outra coisa, podemos
entender como esse idêntico rigor da palavra e da escrita, pela força da imagem
e emotividade discursiva, se impõe na recriação dessa coisa que chamam de
“dom de escrever”.
Escrever
é um vício, menos cansativo que o sexo e solitário, aliás, totalmente
solitário. Pode-se dizer que a escrita é uma construção social, pois sempre
precisamos do outro para começar e continuar escrevendo. Mas é um ato, muitas
vezes, mórbido. Um fator determinante do nosso grau de familiaridade com o tal
“dom escrita” seria a forma que aprendemos a escrever, que
valor o texto escrito tem para nós e para a esfera social em que circulamos, a
intensidade de leituras que fizemos ao longo da vida e a frequência com que
produzimos textos. Um bom exemplo: eu sou muito mais lido nos blogs que eu
participo, em especial no Literatura Clandestina, do que nos meus livros. Sendo
assim, esses detalhes funcionam
como uma fórmula para os que
desejam amadurecer a escrita e melhorar o desempenho em relação aos textos
produzidos: escreva
independente da quantidade de leitores!"
Revista zaP!- Como surgiu o seu interesse pela arte, poesia e
pela literatura?
Elenilson Nascimento- "Necessidade de expressão,
de me sentir vivo. Mas, os tais “dons” não se aprendem.
Rubens Alves queria ser pianista, lutou muito para isso, dedicava-se horas a
fio todos os dias e chegou à conclusão de que se tivesse continuado seria um
pianista medíocre. Comparando-se com um pianista de verdade. No meu caso, desde
sempre queria ser escritor. E a diferença entre mim e o Rubens Alves é que,
enquanto ele tentava colocar dentro dele, um piano que estava fora, eu colocava
para fora um piano (*a minha escrita) que sempre morou dentro de mim. Talvez
para o Rubens, o piano nunca passaria de uma prótese. Mas, para mim, o piano
sempre foi uma expansão do meu corpo. Só procuro espaço agora para alongar os
membros. Embora ache que seja tão polêmica, essa questão de “dom”
que também pode ser atribuída aos grandes escritores da literatura, mesmo
assim, sabe-se que todos eles só se revelaram como escritores após um grande
processo de aprendizagem e uma convivência intensiva com a escrita. E é isso
que eu tento fazer o tempo todo. Eu acho – procurei no Google
– que não há notícias de que alguém “nasceu
escritor” e que esse processo que faz de alguém um célebre ainda é
enigmático. Vejo-me escritor como nunca me vi professor. Entende?"
Revista zaP!- Visibilidade, ingresso no mercado editorial,
maior penetração nos círculos intelectuais
são
fatores positivos e viáveis á todos que amam a arte, ou apenas para uma
minoria? - Por quê?
Elenilson Nascimento- "As perguntas que faço
nesse momento são as seguintes: o que conta quando se analisa uma obra
literária de um autor iniciante? Existem no mercado bons lançamentos desses
"autores eleitos"? Ora, a resposta é muito simples: NÃO, principalmente porque não foram editados tantos
livros com essas "novas cabeças". Mas deveriam existir, levando-se em
conta o expressivo número de autores sem publicação no Brasil. Isso tem
demonstrado que o nosso país, no entanto, ainda vive décadas de atraso quando o
assunto é "renovação". O preconceito contra os novos autores, que era
encarado há alguns anos como algo sem importância, passou a ser velado, assim
como o preconceito racial e a orientação sexual os são. Se as próprias editoras
ainda veem os novos autores com restrição, essas vozes tendem a ser abafadas.
Principalmente quando se trata de escritores iniciantes, que têm de enfrentar
uma verdadeira via crucis pelas editoras que, invariavelmente, resultam em
espera inglória, frustração e mais um trabalho engavetado. E para onde iria a
nossa literatura? Sem oportunidade para publicar seus escritos num livro, seria
a morte súbita da nossa cultura. Mas o importante é compreender que todos
podemos chegar a produzir excelentes textos e que isto não é uma dádiva
especial dos céus, mas o fruto do esforço daqueles que pretendem amadurecer
nesse sentido. Pessoalmente, já tive vários traumas nesse sentido, mas a cada
dia tento passar por cima de tais obstáculos. Fica então a dica sobre o
primeiro mito sobre a escrita! Se me permite, precisamos de visibilidade sim. O
Lula, além de chorar pela escolha do Rio “com chuva de balas”
de Janeiro como sede das Olimpíadas de 2016, deveria fazer alguma coisa de
verdade pela cultura neste seu fim de "democrático" governo, além de
fazer campanha para Dilma. Sim, se o senhor Presidente, Lula olhasse para trás,
iria ver que deixará apenas as tais leis de incentivo fiscais que eu tenho
certeza de que não lhe contaram
direito
como funcionam. Nunca tanto dinheiro ficou na mão de tão poucos (melhor ainda:
poucas) "agentes culturais". Antes das tais "leis", as
peças de teatro tinham oito apresentações por semana, lembra? Agora têm três.
Mas eu acho que nem o seu ministro da Cultura vai saber explicar isso direito.
Se quiser mais detalhes, converse com alguém que tenta sem sucesso durante anos
algum incentivo pro parte dessas leis de nada...
Voltando
ao nosso problema, dos escritores. Dá um jeito aí, senhor Presidente,
oficializa a coisa. Nos dê uma profissão, com direito a uma cidadania digna.
"Descola aí" umas leis de incentivo pra gente (mas que não caia nas
mãos das produtoras)."
Revista zaP!- Você acha, que um escritor, especificamente
falando, repassa para a escrita de alguma forma, (linguagem, temática,
estrutura etc.) suaexperiências profissionais de áreas diversificadas?
Elenilson
Nascimento- "Eu acho
extremamente interessante essa pergunta, que é fatal, é uma pergunta que vem
sempre: como é que você sendo ex-professor e escritor, como é sua relação com a
sua profissão e a sua vocação? Mas, é lamento, uma pergunta feita como se um
ex-professor (*que nunca acreditou que ensinar meninos a marcar "xis"
em provas fosse algo importante) fosse um caso particular da humanidade. Essa
pergunta nunca é feita a um escritor de listinhas de revistas semanais. Nunca!
- Pergunta ao Paulo Coelho se já perguntaram pra ele como é que ele pode ser um
escritor e bruxo ao mesmo tempo. Acho que não há memória de que a um escritor
(mesmo que seja um reacionário completo ou um imbecil que escreve put..ias para
editoras mercenárias), de alguém perguntar-lhe que relação você tem, sendo
escritor, com o tipo de escrita que você faz ou de quantos livros já vendeu,
que é a coisa pior que há no mundo, de reacionarismo, fascista e tudo o mais. A
esse nunca se pergunta. Mas ao escritor "sem mídia" e "sem nome"
que caiu nesse vício de escritor, sempre a pergunta vem. Então, eu direi que,
tal como no conjunto dessas coisas já ficou claro que tenho uma relação
pacífica com as coisas do meu trabalho e na relação que o meu trabalho tem com
os outros, que não há relação mais pacífica que aquela que eu tenho com as
minhas convicções, em primeiro lugar, com a integridade que consubstancia os
meus pensamentos, digamos, assim, essas mesmas convicções. Sou dentro e fora -
fora quando não estou em relação direta com os meus pensamentos, dentro quando
há o momento, quando estou em total envolvimento com o meu trabalho -, digamos
assim, há uma relação de perfeita lealdade, de perfeita responsabilidade e de
perfeita liberdade. Quer dizer, eu escrevo exatamente o que quero, exatamente
como quero, sem nenhuma prévia determinação, orientação, conselho, aviso,
prevenção, arranjo todas as palavras que quiserem, vindas direta ou
indiretamente de alguém. E por uma razão imediata e simplicíssima, é que eu
sendo convictamente aquilo que sou, também convictamente acho que, muitas
vezes, perco oportunidades porque não agrado muito uns e alguns."
Revista zaP!- Você acredita que ao estar "fazendo
arte" o artista o faz, sem compromisso com a verdade?
Elenilson Nascimento- "Eu diria assim, desta
maneira muito simples, um ato de escrever é só um ato. Não é nada mais do que
isto. Não lhe chamo de ato de coragem. Eu sou provavelmente, escandalosamente,
prosaico. Não acredito em vocação. Só se pode ter - imaginando que a vocação
exista - vocação para as profissões que já existem. Na verdade é a própria
necessidade social que vai criando as atividades e as profissões e depois nós
vamos para elas. Às vezes, dizemos que fomos para elas porque não tivemos outra
solução (*como foi o meu caso com a educação). Mas, também podemos, somos
capazes de dizer, ah, eu fui para isto pela minha vocação. Mas qual vocação?
Ninguém pode ter a vocação para a informática antes de a informática existir.
Eu vou dizer uma coisa terrível. A transverberação de santa Teresa de Jesus,
santa Teresa D´Ávila, o êxtase dela, e peço desculpas se ofendo os crentes,
acho que ela teve simplesmente um enfarte do miocárdio ou que estava gozando
mesmo (*batendo umazinha!). Quer dizer, a agudíssima dor no coração que ela
atribuía a Jesus, que a estava transpassando com o raio fulminante do seu amor,
não era mais que um enfarte do miocárdio ou um gozo, porque eu presumo que
naquele século já havia enfartes de miocárdio ou que as pessoas se masturbavam
muito. Entre todas as artes, a única que tem presença garantida nos currículos
escolares é a literatura. Isso se deve não tanto a ser ela uma
“arte” da palavra, mas ao fato de portar em si alguma coisa
que a torna apta a figurar como disciplina necessária à formação de estudantes.
Seja como veículo para a transmissão de valores, seja como possibilidade de
reflexão sobre uma realidade humana mais geral, a literatura recebe o encargo e
o elabora como se fizesse parte de seu ser. Porém, muitos estudantes não passam
de carregadores de livros. O que é algo muito triste, pois ninguém ler mais
nada, nem bula de remédio. Pensar, pois, as relações da literatura com os
valores sociais é pensá-la numa relação consigo mesma, bem como com o homem que
ela espelha e, quem sabe, ajuda a formar. Literatura, para mim, é libertação,
sem demagogia. É puro gozo."
Revista zaP!- Você não acha que a presença hegemônica dos
Estados Unidos no atual cenário internacional pode ter um efeito perverso sobre
a cultura do mundo?
Elenilson Nascimento- "A crise econômica
americana vai piorar antes mesmo de melhorar, o déficit público vai se agravar
nos programas para restauração da econômica antes mesmo de começar. Os EUA vão
trocar de piloto automático no meio da tempestade, e o presidente eleito Obama
já divulgou que prepara a transição. Quanto a mim, metido a escritor, deveria
ficar aqui nos meus blogs, nos meus livrinhos desaforados, onde há tanto a
dizer, tanto a cobrar, tanto a refazer, tanto a criticar e tanto a ser
crucificado. Mas, nestes últimos meses, sentir um certo alívio por causa da
vitória nas urnas do lado de lá, uma imensa vergonha por causa das NOSSAS
últimas eleições que não tiveram nada de democrático, mesmo que amanhã venha
sair dados feios de desemprego e desalento. Mas do lado de lá, sairão os
vermelhos balanços: produtores de etanol decretando falência, por causa da
falta de crédito; falta de perspectiva, aumento da violência, preconceito
contra estrangeiros e por aí vai, pois nenhum ser humano pode responder a
tantas expectativas do mundo todo e de cabeças tão diferentes. Portanto, Obama
vai decepcionar muita gente em muitos momentos – mas temos esperanças
que muita coisa vai mudar. A consagração de Obama como presidente eleito
representa a integração étnica, social, financeira, etária e das várias nacionalidades
que formaram os EUA. Ou seja: ele representa o sonho almejado (e algemado) na
Constituição norte-americana, que outrora pregado nas palavras do já citado
Luther King, de Lennon e de muitos outros pensadores e ativistas que lutaram
por um mundo unido e tolerante. Obama é um tapa na cara do preconceito.
Preconceito burro, demasiadamente burro!
Parece
que dessa vez os estadunidenses não tiveram dúvidas diante da certeza de que
Obama era de fato o mais preparado para resolver toda essa pilha de problemas
deixada pelo parasita Bush. Para mim, o melhor de tudo, foram as imagens
estampadas nas páginas do The New York Times após a vitória nas urnas,
onde negros e brancos aparecem com os rostos cheios de emoção."
Revista zaP!- Na sua interpretação, como a leitura pode levar
educadores e educandos a tomar consciência de seu potencial criativo e transformador?
Elenilson Nascimento- "Bom, a educação, em
especial, por ser o termômetro do ser humano e carro-chefe do nosso suposto
desenvolvimento. Como tal, todos os acontecimentos desonrosos nela inserida,
envolvendo homens, aparentemente comprometidos com essa tal
"catequização", têm repercussão negativa em tudo e em todos. Com esse
clima de desonra, abre-se nela as portas para uma revolta silenciosa, como já
se começa a perceber, com movimentos variados (Cansei? Fome Zero? Sem Terra?) e
até com ataques antidemocráticos (a demissão da jornalista da TV Cultura,
Salete Ramos, por ter criticado o governo e a sua política de quitanda). Aliás,
até mesmo o presidente da Lu(l)a (no meio das CPIs das pizzas) já disse que
"estamos em situação de perigo" – como se nós não
soubéssemos.
A
educação na Bahia, por exemplo, é uma grande MENTIRA. O governo do Estado
alimenta a opinião pública com suas UTOPIAS e DEMAGOGIAS publicadas na mídia e
em jornaizinhos burocráticos e taxativos. Mas o Brasil inteiro precisa que a educação
seja tratada com respeito. E eu, como professor, aliás, como ex-professor,
tenho VERGONHA dessa situação além, é claro, de constatar que o Brasil perde a
sua grandeza perante o mundo quando a FARSA, a HIPOCRISIA e a DESLEALDADE são
protagonizadas por profissionais ligados à educação, editores, parlamentares,
prefeitos, advogados, ou qualquer outro cidadão comum e até por um presidente
da República, felizmente, destituído, ou pelos casos mais recentes de CORRUPÇÃO
no Planalto Central ou na padaria ali da esquina.
Mas,
certamente, não passa despercebido o fato de que o mesmo governo que luta para
manter o salário no mínimo do mínimo, por conta do equilíbrio das contas
públicas, sirva de patrono a uma iniciativa que implique novos gastos. Então
pergunto: como educar esses jovens que vêem nos exemplos dos palanques e nos
cargos públicos os heróis ou representantes desse país de quitanda? Eu
respondo: NÃO SEI! E como a atriz Regina Duarte, agora eu grito
melancolicamente: “TENHO MEDO!!!”. Como falar de leitura num
país que, historicamente, não valoriza isso? Pais ausentes, alunos carente,
professores doentes. Não há sociedade possível sem valores porque não há vida
tolerável sem eles. Mesmo a pessoa aparentemente mais desprovida de propósitos
oculta, na convivência de sua intimidade, as metas de realização de sua vida.
Como também podem ser para nós: pequenas, insignificantes, mesquinhas e
equivocadas, mas são a sua sustentação no dia após dia. "Eles praticam um
massacre e o chamam de PAZ", disse o filósofo Tácito. A grande maioria dos
professores é medíocre, pois não passa de reprodutores da doutrina do sistema.
As "fofocas" e o "pedantismo" nas salas de professores e
nas reuniões de coordenação não passam de articulações de uma massa empobrecida
pela falta de valores. Professores são arrogantes por natureza e, muitas vezes,
são considerados de imbecis pelos próprios alunos (ou pela própria
instituição). E você acha mesmo que a mediocridade só existe nas escolas? Nas
universidades a coisa é mais gritante. Acho muito difícil se falar de educação
num país como o Brasil. E falar sobre isso com professores? Bom, eu não
acredito mais em professores!"
Revista zaP!- Em sua opinião, onde e quando começa o
aprendizado para uma cultura sustentável?
Elenilson Nascimento- "E, talvez, por eu também
ter sido professor, essas linhas venham a se tornar meio perigosas ao que eu
vou gritar, afinal sobrevivo aos ataques de passionalidade que os vestibulares
vivem em idílio com autores que não falam, mas se omitem num discurso evasivo,
pois o processo do vestibular no Brasil é caduco, por ser inexpressivo e feito
de condicionar meninos em colocar "xis" numa fileira de frases. A
farsa (fraude) do Enem que o diga! A enigmática profissão celibatária sobre
tablados, a profissão do discurso, do senso cosmopolita, dos michês ideológicos
sem o valor inflacionado de Bruna Surfistinha, a profissão deduzida por um
sistema de espólio financeiro e que sitia profissionais com esquemas
melancólicos como a dos carvoeiros sem digitais, a profissão ecumênica e que dá
indícios de profissão de cunho filantrópico ou religioso: PROFESSOR, o michê da
educação, aquele que ganha salário em cheque de terceiros e pré-datado, aquele
que é responsável por tudo neste sistema de terceirização de culpas e de
silêncios numa versão unilateral do estadismo da classe média
inadimplente."
Revista zaP!- Como e por que a literatura pode contribuir para
esse aprendizado?
Elenilson Nascimento- "Cada país, cada povo, tem
os representantes que merece. Uma das coisas mais comuns de ouvirmos do senso
comum em relação ao universo político, educacional e artístico brasileiro é a
máxima de que aqui só há corruptos. A frase é ilustrativa do quanto o
brasileiro exime-se quando se trata de assumir as responsabilidades pelas
mazelas nacionais, pela educação ruim e pela cultura de quinta que produzimos.
Falamos como se Brasil, em especial o Distrito Federal, fosse uma terra maligna
fértil de onde brotam espontaneamente políticos nada dignos e sempre dispostos
a corromperem e serem corrompidos. Ora, o que há de bom e de ruim aqui no
Brasil é nada menos que o produto da exportação de todos os estados do país, de
todos os eleitores brasileiros. Brasília, por exemplo, tem o que nós, como
cidadãos e eleitores, enviamos das urnas para lá. Eu acredito que os artistas
brasileiros – formadores de opinião – se dobraram a ditadura
do "politicamente correto". Eles se omitem diante das crises desse
governo do "nada sei" que ajudaram a eleger, além de que, o senhor
Presidente, só não sofreu um impeachment até agora por incompetência da
oposição. Os "formadores de opinião" costumam agir em bando. Eles só
querem sempre ser bonzinhos, de esquerda, do bem – e, muitas vezes,
nem refletem sobre o que estão dizendo. O nosso meio literário é cheio de
acadêmicos e estrelinhas metrosexuais, ou seja, tudo isso é deprimente.
É
muito mais interessante você consumir leitura de blogs espalhados na rede do
que só comprar livros de listinhas produzidas por revistas semanais. É preciso
com urgência promover amplamente, desde a primeira infância, a leitura de
livros de literatura, criando as condições necessárias para o contato contínuo
do público infantil e juvenil com o universo literário. É possível sim
transformar o Brasil em um país de leitores. O que entendemos por um país de
leitores e o que esperamos dele. O problema é como fazer para que as ações
existentes de promoção da leitura possam convergir para uma atuação conjunta na
construção de um país leitor? Já foi provado que oficinas literárias são
necessárias para agregar técnica ao talento de um escritor. Essa troca de
experiências é essencial para a formação de qualquer aspirante a literato. Mas
a mídia reduz a nossa literatura em segmentos de mercado. O leitor deixa de
existir em detrimento da lógica do consumo. O grande drama do jornalismo
literário e da própria literatura no Brasil é que jamais se tentou criar um
mercado de leitores no país. Daí a pergunta: para quem se dirige os livros
produzidos? País com baixa densidade de leitores, o mundo literário não passa
de uma ficção, de terreno para viagens egocêntricas.
Revista
zaP!- Uma pessoa que exerce profissão
paralela à arte, pode ter a área profissional afetada pela ficção?
Elenilson
Nascimento- "Não acredito nisso."
Revista
zaP!- Qual é a relação entre a sua vida e
a sua obra?
Elenilson
Nascimento- "Todos os personagens que eu
crio têm alguma coisa de "figuras" que eu já conheci ou conheço. Eu
me baseei em homens paranóicos que se acham importantes. E é o que mais tem por
aí. Criei-o antes mesmo de ter pensado em ser escritor. Minha primeira dúvida
era se ele seria um profissional ou um amador. Ora, há muito amador na
literatura, e um cara paranóico nunca poderia trabalhar num mundo concreto. Por
isso, decidi que o sir João Grandão, por exemplo, do meu livroMemórias de um Herege Compulsivo, fosse antes de tudo um profissional, que se
comportaria segundo os procedimentos de sua classe, mas completamente louco.
Depois, quis que ele fosse correto, corajoso, decente, galante... e que tivesse
pendores artísticos. Por isso transformei-o em um poeta, mesmo sendo
maluco."
Revista
zaP!- O conhecimento a um clique de
distância é possível?
Elenilson
Nascimento- "É claro. Basta o cara ter
pelo menos, algum interesse."
Revista
zaP!- A Internet tem contribuído, ou já
contribuiu para difusão do seu trabalho?
Elenilson
Nascimento- "A Internet é a única
ferramenta que eu tenho no momento para divulgar o meu trabalho. Se eu for
depender da boa vontade de editores estaria perdido. Eu amo Internet!"
Revista
zaP!- E o reconhecimento a um clique é
utopia?
Elenilson
Nascimento- "Há, realmente, uma certa
crítica, que se comporta, digamos, atravessando os passos às escuras, onde se
pode pensar porque não se vê o que lá está, está vazio. Esse tipo de crítica
"toma na cara" e escolhe um caminho, vai às escuras. Essa é a crítica
que, no fundo, só vê o que está no seu caminho, o que significa que só vê o que
está no caminho que escolheu. Se escolheu ignorar o resto, o resto não chega
lá. Pena para ela, pois anda perdendo muita coisa bacana. Às vezes, críticas ao
meu trabalho feitas com inteligência, com sensibilidade, feitas por pessoas
que, enfim, tem alguma capacidade, mas que não significa, de modo geral uma
preparação clara, enfim, quer acadêmica, quer não, mas que justifique
exatamente essa espécie de missão, de intermediários entre o autor e o público.
Já que, realmente, a grande função da crítica é essa. Não é dar lições ao
autor, porque o autor não as quer. Não as quer e ainda que quisesse recebê-las,
não pode. Não pode, o autor tem o seu caminho próprio e ficará muito aborrecido
se lhe disserem que seu livro é mau. Já ouvi gente dizendo que eu sou
rancoroso, mimado, egoísta, demagogo e coisa e tal. Todas essas
"merdas" são ditas por pessoas que não me conhece e nem se dão ao
trabalho de conhecer o que eu escrevo, mas estão por aí metendo o pau. Um
escritor de verdade, o que eu tento ser, mesmo sendo metido, aliás, vai
escrever outro livro pelas mesmas razões que escreveu os outros: convicções.
Enfim, não há que fugir disto. Agora, para o público é indispensável. Então,
digamos, o que está a acontecer hoje numa relação, a relação entre o público e
o autor está a fazer-se diretamente. Não passa pela mediação da crítica. A
crítica, enfim, vai falando, falando e falando. Os críticos que há, que -
repito - não são muitos, vão, enfim, falando dos livros que não leram e tudo o
mais, mas é realmente uma relação direta entre público e autor o que realmente
importa Eu não diria que é o ideal, porque, na verdade, embora eu tenha dito
aqui algumas palavras, enfim, não muito lisonjeiras para um certo tipo de
crítica, a verdade é que eu considero a crítica necessária. Eu considero a
crítica indispensável, mas não vou morrer se meterem o pau no meu livro."
Revista
zaP!- Você percebe algum aspecto incomum
na Literatura Brasileira?
Elenilson
Nascimento- "Incomum? Vejamos. Um cara que
tem um blog, escreve bem, mas que ainda não tem um espaço cativo e que não é
incentivado por ninguém. Isso só acontece num país como o nosso. Isso é muito
chato."
Revista
zaP!- "Escrever, pra mim, é uma
necessidade"... - Com você, isso ocorre e de que forma, ou com qual
periodicidade?
Elenilson
Nascimento- "Creio que para se falar com
Deus, há de se ter mãos vazias e os dedos na Internet. Esses
"escrotos" se rejubilam, quando vêem ganhar corpo o pior de seus
flagelos: o viver desesperançado de um cidadão (como eu, e outros milhares de
escritores "clandestinos" desse país), e, quanto mais caótica a situação,
mais tripudiam e dificultam a produção artística. Não me surpreende mais o
quadro deplorável a que nos conduziram, diante do paradoxo: todos nós,
escritores e artistas, ainda somos agentes da formação de cidadãos para vida,
tentando levar nossa mensagem no limite de nossas forças, enquanto os exemplos
desmoralizantes e alienantes estão a sufocar quotidianamente a nossa voz.
Diante da grandeza humana de que somos investidos, enquanto seres racionais,
morre-se em vida, quando se tem morta ou sufocada a dignidade e o direito à
justiça e a verdadeira produção artística. A única coisa que eu tenho de
importante é a minha escrita. E só!"
Revista
zaP!- Os poetas ligados à poesia
concreta, de linguagem construtivista, defendem o fim do ciclo histórico do
verso. O que você pensa a respeito?
Elenilson
Nascimento- "Lima Barreto, por exemplo,
deveria ter sido um dos autores mais lidos da literatura nacional e leitura
obrigatória nas listinhas indigestas desses vestibulares da vida, em vez disso,
acadêmicos e professores universitários babões teimam em ignorar a excelência
da sua obra, pois, mesmo eles não gostando muito, ela sintetiza muito bem as
posições polêmicas e ainda atuais sobre a vida, a literatura, as mazelas e
iniqüidades sociais do nosso país de faz-de-conta. Infelizmente vivemos num
Brasil onde o presidente de "quatro dedos" prefere ficar fazendo
reuniões com o G5 para sinalizar o próximo dia em que vão plantar árvores,
lançar auto-biografias bizarras e comer secretárias e, só depois, salvar o
planeta com frases do tipo: "Não faremos concessões a nosso crescimento
econômico", enquanto pessoas morrem em acidentes aéreos, bebem leite com
água oxigenada, são exterminadas pela policia nos morros e favelas, são
roubadas por esses marginais engravatados, são f... todos os dias e por todos
os buracos. A Copa de 2014 é mais uma política do "pão e circo" e o
povo totalmente "bitolado" nessa "merda" toda engole sem
reclamar. Isso é a nossa democracia! Assimilar culturas? Você acha mesmo que
temos alguma condição de assimilar culturas dos outros quando nós mesmos
jogamos a nossa no lixão? O que podemos esperar de um povo que compra a Bruna
Surfistinha "envelopada" de "escritora" e
"cultura" quando um Elenilson da vida tem de apodrecer implorando por
uma edição? Entramos no século XXI com todas as possibilidades científicas e
tecnológicas de superação das nossas condições de desigualdade econômica e
sócia, mas infelizmente a realidade brasileira não confirma essa tese. Ocupamos
o segundo lugar em mortes por armas de fogo em todo o mundo (*UNESCO/2005),
temos 25 milhões de miseráveis e uma educação formal deficitária. A
desnutrição, a morte do futuro de adolescentes por gravidez precoce e, como se
não bastasse, os assassinatos no campo e nas grandes cidades permanentemente em
conflito são situações cotidianas em nosso país. E o que ainda temos que
esperar? Conforto? Ou a Copa de 2014 na Fonte Nova?"
Revista
zaP!- Você acredita que as antologias são
referencias que costumeiramente enriquecem perfis curriculares? – Por
quê?
Elenilson
Nascimento- "Acabei de lançar a
antologia Poemas
de Mil Compassos, um pequeno-grande volume de poemas,
com 51 poetas que me tiraram o sono por alguns meses. Esse tipo de seleção é
bacana porque faz com que eu conheça trabalhos de artistas diversos, mas muitos
desses artistas não têm consideração e respeito pelo trabalho do outro. São os
primeiros a dificultar o processo. Esse livro de poemas já fez um mês que foi
lançado. Se 10 dos 51 compraram o livro e divulgaram em algum lugar, nem que
seja na padaria da esquina, isso já é um milagre. O que eu acho é que, graças
aos próprios autores, esses livros só servem para ocupar espaço na estante de
amigos. Uma pena."
Revista
zaP!- Qual a importância das antologias
para a literatura brasileira?
Elenilson
Nascimento- "A antologia Poemas de Mil Compassos, organizada por mim, reúne 51 poetas brasileiros e
portugueses contemporâneos, e mais algumas entrevistas com pessoas ligadas às
artes, das mais diversas linhas e matizes, mas afinados com a ideia de invenção,
pesquisa estética e rigor. Estão presentes autores como Gaspar Silva, Airton
Soares, Artur Gomes, Eliane Silvestre, Andréia de Oliveira, enfim, poetas muito
diferentes entre si e desconhecidos do público. Agora, multiplicidade não quer
dizer "vale tudo". Recusamos muita coisa. Numa época em que certo
establishment universitário quer exorcizar o fantasma da vanguarda para afirmar
uma poesia fácil, cotidiana e conformista, nós insistimos em defender a
escritura poética crítica e criativa, que busca novas formas estéticas. Mas eu
acredito que as antologias, assim como as revistas e sites e blogs de
literatura, podem oferecer ao leitor disponível um pequeno panorama da produção
poética de um período. Nenhuma antologia é completa, nenhuma diz a última palavra
e, certamente, todas cometem equívocos. Agora mesmo saiu em Portugal uma
coletânea de poesia brasileira do século XX que ignora quase totalmente o que
foi produzido no País nas décadas de 80 e 90, além de incluir notas críticas no
mínimo suspeitas. Por outro lado, se formos ver outras antologias, publicadas
no Brasil e no exterior, não é fato raro a inclusão do próprio organizador numa
mostra. O que deve ser considerado, para mim, é a qualidade e a coerência desse
tipo de inclusão, se ela é baseada em méritos reais ou em vaidade."
Revista
zaP!- A poesia surrealista é uma das mais
refinadas, em que o pensamento se faz por imagens. Esse é o principal motivo
que dificulta sua difusão?
Elenilson
Nascimento- "Bom, não sei por que você
acha que a poesia surrealista é uma das mais refinadas, pois essa é uma ideia
de um livro de 1928, "O camponês de Paris", onde o poeta Aragón
anunciava ao mundo um novo vício, esse tal de surrealismo. Ele convidava,
naquela época, a entrar nos domínios do que chamou "os reinos do
instantâneo". Acho isso tudo um exagero, mas, contudo, o surrealismo
ressalta uma das mais fortes crenças dos adeptos da corrente surgida na França,
na segunda década do século XX, e que teve em André Breton seu líder maior. Não
gosto muito de ficar dizendo que essa ou aquela poesia é mais refinada ou mais
importante do que outras. Acho isso muito chato. Se fosse assim, a imaginação,
o instinto, o inconsciente, a intuição, as fulgurações instantâneas, acima da
razão e da lógica, levando ao campo do mágico e do mistério, não seriam vistos
como possibilidades de ampliar o campo do conhecimento e libertar o homem,
principalmente os mais ignorantes, dos entraves que o escravizam."
Revista
zaP!- A matéria-prima do poeta é a
palavra?
Elenilson
Nascimento- "Não tenho qualquer pretensão
de "neutralidade". A pretensa "neutralidade" é o refúgio
mais comum dos covardes e dos oportunistas. Dizendo-se "neutros",
destilam os piores venenos e preconceitos possíveis. Veja-se a "neutralidade"
(chovam aspas) com que uma boa parcela da universidade trata a poesia
contemporânea é sinônimo de burrice. E a maioria dos acadêmicos são muito
burros. A diversidade de fato marca a poesia presente, mas as duas vertentes
poéticas mais comuns no Brasil contemporâneo foram sistemática e
intencionalmente ignoradas: a poesia bem comportada, bonitinha mas ordinária,
dos neoparnasianos arcaizantes e mentalmente afetados, que ainda se dedicam a
criar requintes postiços e defender o retrocesso e a gratuidade retratista,
ingênua e simplista dos neodrummondianos redutores. Por tanto, a matéria-prima
do poeta é a indignação. Só ela move cabeças e escreve versos. Sem ela não
somos nada."
Revista
zaP!- Como você avalia as inúmeras obras
intituladas Poesias ou Poéticas que são constantemente veiculadas na Internet?
Elenilson
Nascimento- "Uma discussão sobre a poesia
no mundo e no Brasil é sempre válida, mas tomo muito cuidado nessa questão,
pois nem sempre vejo com bons olhos essa enxurrada de antologias feitas sob
encomenda por editoras que só querem vender produtos. Antologias ajudam sim a
divulgar o trabalho. Nisso, são importantíssimas para a poesia, já que o
descaso nesse ramo de atividade é a norma – tanto por parte dos
senhores editores quanto por parte de muitos "poetas". Elas facilitam
o acesso do leitor interessado, que pode, assim, procurar os livros específicos
de cada autor. O principal problema é como as antologias são encaradas no
Brasil. O antologista muitas vezes veste a toga de juiz do bem e do mal,
advogando-se o poder de escolher "os melhores poemas, poetas, contos"
etc. Contam, também, com a avidez dos possíveis antologizados, que muitas vezes
veem a sua inclusão em uma antologia como um aval paternalista à sua obra. A
escolha dos poetas incluídos em Poemas de Mil Compassos, por exemplo, de maneira alguma, como o coloquei
na Introdução à obra, "representa uma afirmação categórica" de que
esses são o(a)s melhores poetas do Brasil hoje e talvez por isso mesmo muitos
deles nem se deram ao trabalho de adquirir a obra. O que eu achei lamentável...
Muitas poesias postadas em blogs, sites e Orkuts são um amplo panorama da
poesia de invenção, dentro dos limites do que conhecemos e pesquisamos, no
Brasil da virada do século XX para o XXI. - Erramos? Certamente. Só o tempo, o
maior dos críticos literários, poderá trazer à tona os erros e acertos das
nossas escolhas. Em suma: eu gosto muito de ler as poesias que estão sendo
espalhadas na rede!"
Revista
zaP!- Como você vê o mercado editorial?
Elenilson
Nascimento- "A cadeia de preconceitos
contra os escritores novos começa com os chamados "intelectuais", que
não querem conhecer o trabalho de autores que não têm seus nomes na lista de
revistas semanais, e termina no livreiro, que se recusa a comprar e exibir os
livros em suas estantes. Sem contar o comportamento da crítica literária deste
país, que ignora solenemente autores "iniciantes", contribuindo assim
para que apenas algumas obras sejam "escolhidas". O mercado editorial
brasileiro está se fechando novamente ao autor nacional, um movimento negativo
que se tornou cíclico, mas não inevitável, nem um mecanismo cego. Talvez com a
chegada do Kindle isso represente uma possível união entre a universalidade
prometida pela internet e a privacidade oferecida pelo livro. Mas ainda é muito
cedo para se falar sobre isso. Recentemente uma revista literária de circulação
nacional pediu a vinte escritores brasileiros uma lista dos dez melhores livros
de contos. Escritos em qualquer época, em qualquer língua. No fundo é aquela
bibliografia de sustentação do escritor - os livros que ele relê – e
que possui um caráter quase imutável, permanente, eterno. Fiquei muito surpreso
(e lisonjeado) de ter sido citado, mesmo sendo o último da lista, pelo escritor
Chico Porto, por causa do meu livro Memórias de um Herege Compulsivo. Mas antes de tudo é preciso corrigir os erros que
se repetem ciclicamente e que levam ao dito fechamento de oportunidades para
novas cabeças. Eis as razões: 1) inundação e encalhe de maus títulos, algo que
se repete igualzinho à crise anterior, mas parece que editores, pequenos e
grandes, esquecem as lições históricas, porque durante as vacas gordas apostam
em tudo quanto é cavalo manco, metáforas zoológicas à parte, a exemplo do
“escritor fofo” exaustivamente inventariado por Mirisola que,
a despeito do ridículo, de fato existe e contribui vastamente para o recuo do
mercado – embora ambos (editoras e autores mancos) ainda não saibam:
afinal, o leitor não é besta nem está aí para ser subestimado. Em nome do mercado,
anulou-se o principal, descaracterizando-se assim o escritor e a escrita como
profissão e como arte. Algo semelhante aconteceu nos anos 70: a editora Ática
só na coleção "Tempo Brasileiro" lançou na mesma época dezenas de
títulos de autores inéditos e onde estão esses sujeitos 30 anos depois? Que o
brasileiro não pode (*por total falta de dinheiro) e não tem (e não quer) o
hábito de ler. Isso é notório! O povo não tem condições financeiras de adquirir
sequer um livro ou uma revista que seja. Os preços cobrados por esses produtos
podem até ser justos, mas a renda da maioria dos brasileiros não permite que se
faça proveito desse luxo. Chamo de luxo, porque no Brasil não se consegue
comprar um livro por menos de 9,90 de reais. Esse valor faz muita falta no bolso
de uma pessoa que vive de um salário mínimo. Porém, as condições financeiras
talvez não sejam os únicos motivos para a falta do hábito da leitura".
Revista
zaP!- Convive ou já conviveu com outros
escritores que também são jornalistas? Relate discussões, casos interessantes,
momentos marcantes.
Elenilson
Nascimento- "Já trabalhei como repórter
num jornal de Salvador, mas é complicado cobrir matérias devido à quantidade de
"estrelinhas" que se dizem jornalistas que não deixam
"focas" entrarem na sua área. Mas consegui vivenciar tudo
indiretamente. Só se eu fosse um policial formado na academia (*Deus me livre)
poderia trabalhar em assassinatos. Mas eu era, na época, um professor de
cursinho, que dava aulas para sobreviver e estudava Jornalismo porque queria
escrever. Mesmo assim, aproveitei meus tempos de jornalista para estudar
métodos de investigação e perícia. O que mais fiz em minha vida, agora me
sentindo um escritor, foi pesquisar, pesquisar, pesquisar. Disso tudo, estou
fazendo bom uso em meus livros, para dar credibilidade a uma história. Para não
falar da infinidade de homens e mulheres que trabalharam, que amam –
olha eu falando de amor – que pecam, que fod... e me inspiraram para
compor os personagens".
Revista
zaP!- Qual é a importância dada à
literatura, e à arte, em cada um de seus espaços (on-line)?
Elenilson
Nascimento- "Eu adoro Internet. Tenho
tudo: MSN, Orkut, blogs, Twitter e sei lá mais o quê. Mas não me pergunte se eu
olho tudo isso todos os dias. Sou um sujeito bem típico do tipo cidadão
atomizado. Mas não faço parte de nenhum grupo, não sou filiado a nenhum partido.
Aplico o princípio de Groucho Marx: “Não acredito em instituições que
aceitem pessoas como eu”. Sou, nesse sentido, marxista (risos). Isso
não quer dizer que não possa me juntar a outras pessoas ou organizações para
fazer reivindicações. Agora, para o indivíduo ser prestável republicanamente,
tem de ter um nível de compreensão e de conhecimento do que acontece no campo
político que é fundamental. Sou um cidadão digital sim, mas no sentido de que
fico bem informado usando os recursos digitais. Tenho alguma competência em ter
informação dessa natureza e, portanto, poder reagir digitalmente, embora seja
atômico. Portanto, adoro Internet! A Internet é uma coisa do demônio. Então,
devo gostar dele também".
Revista
zaP!- Quais são os seus maiores desafios
atualmente?
Elenilson
Nascimento- "Divulgar o meu trabalho.
Fazer com que as pessoas leiam os meus livros e os meus textos".
Revista
zaP!- E os planos? Há alguma projeção
objetiva ou uma meta específica para o futuro? Qual (is)?
Elenilson
Nascimento- "Não faço mais planos. Não sei
se tenho mais objetivos traçados. Não acredito mais nisso".
Revista
zaP!- Se o mundo fosse acabar e você só
pudesse salvar obras literárias e assim sendo, apenas dez livros, quais seriam
estes?
Elenilson
Nascimento- "Puxa, que coisa difícil. Mas,
vamos lá: O meu livro ainda inédito "Clandestinos". "Antes Que
Anoiteça" do cubano Reinaldo Arenas, "Dicas Úteis para uma Vida
Fútil" de Mark Twain, "Dicionário de Suicidas Ilustres" de J.
Toledo, o único de Machado que eu gosto: "Dom Casmurro", "O
Caçador de Pipas" de Khaled Hosseini, "O Perfume (A História de um
Assassino)" de Patrick Süskind, "A Arte de Escrever" de
Schopenhauer e "A Curiosa História do Editor Partido ao Meio na Era dos
Robôs Escritores" de José Luis Saorín".
Revista
zaP!- Que conselho você daria aos novos
autores, àqueles que estão começando?
Elenilson
Nascimento- "Se jogue"!
Revista
zaP!- Você já sentiu vontade de
"esganar" um crítico?
Elenilson
Nascimento- "Esganar? Não. Mas abraçar
também não. As críticas são corruptoras do pensamento dos que pensam".
Revista
zaP!- Para um escritor que acabou de
lançar o Livro "Memórias de um Herege Compulsivo", você acredita que
existam leitores ruins, que tipo de leitor você dispensa?
Elenilson
Nascimento- "Sei lá. Não estou em
condições de dispensar leitores. O Paulo Coelho até pode se dar ao luxo de
fazer isso. Mas eu acho que leitor é como sexo. Por tanto, não existe leitor
ruim".
Revista
zaP!- Você recolheria algum livro das
livrarias? Qual?
Elenilson
Nascimento- "Perdoem-me os fãs do Gabo
(Gabriel García Márquez), mas até hoje não consegui ultrapassar a página 9 do
"O Amor nos Tempos do Cólera". Talvez seja por incompetência minha
mesmo. Recolher das livrarias eu não sei! Mas não compraria os livros do Lair
Ribeiro, da Bruna Sufistinha (uma vergonha a editora ainda ter publicado),
todos os de Fábio "metrossexual" de Mello e os do Sarney. Mas,
contanto que eu não gaste dinheiro com eles, acho que todo mundo tem o direito
de escrever o livro que quiser e até de virar imortal. O Collor é membro da
Academia Alagoana de Letras, mesmo sem ter escrito livro nenhum. - Pode? - Pode
sim. E o pior que eu nem fiquei estarrecido com essa eleição(?). E por um
motivo muito simples. As academias, no geral, são ecos desavergonhados dessa
política literária quem impera no nosso país".
Revista
zaP!- Você já sentiu vontade de
"roubar" a autoria de um livro?
Elenilson
Nascimento- "Vários. "A Vida Como Ela
É" de Nelson Rodrigues, "A Revolução dos Bichos" de George
Orwell, "Hilda Furacão" de Roberto Drummond, "Os Dez Mandamentos
Para o Século XXI" de Fernando Savater, "Uma Gota de Sangue -
História do Pensamento Racial" de Demétrio Magnoli, entre outros.
Revista
zaP!- Se Deus existe, o que Ele pensa sobre
você?
Elenilson
Nascimento- "Imagino que Deus não goste
muito de escritores".
Revista
zaP!- Na sua opinião, como a leitura pode
levar educadores e educandos a tomar consciência de seu potencial criativo e
transformador?
Elenilson
Nascimento- ""Eu não acredito mais
"nesta" educação. Não acredito em determinados "tipos de
professores". O Brasil é uma grande "porcaria" neste sentido
porque a nossa mídia, muitas vêzes é mais idiota do que um programa de
auditório, sem conteúdo ou o César Borges (ex-prefeito de Salvador, que
recentemente foi derrotado nas eleições municipais). Os imbecis têm o poder de
escravizar milhões de pessoas e perdem tempo nos fazendo pensar sobre os
benefícios da cafeína, ou sobre o novo disco da filha de um artista cantor que já
foi ministro.
A coisa mais subliminar que conseguem
enfiar na nossa cabeça é um bordão "escroto" de uma novela das oito.
Que coisa primitiva e deprimente. Perde até para meia dúzia de índios pelados
dançando ao redor de uma fogueira. Meu Deus! Nós não precisamos mais disso!
Nosso país precisa de zumbis dispostos a trabalhar sem reclamar da exploração,
achando que esse é o único meio de prosperar socialmente. Enquanto coisas como
o Piscinão de Ramos forem pauta de jornal e enredo de novela, só estaremos fabricando
libertinos preguiçosos. Mas felizmente isso vai acabar. Mesmo com o mercado das
comunicações aberto para empresas estrangeiras e nós (supostamente) com nossas
mentes condicionadas por mega-comparações que infelizmente não estão nos
levando a nada. Empresas que sabem transformar audiência em lucro, idiotização
em consumo, "liberdade de expressão" em prosperidade... Finalmente
aprenderemos a trabalhar, a nos divertir, a gastar nosso dinheiro e até a
votar. Editores de países evoluídos vão nos dizer qual é o candidato certo,
estaremos livres desses "coronéis" que fundamentam seu poder em cima
de concessões de rádio e TV. Estaremos livres dos dossiês mal redigidos que
mudam as pesquisas presidenciais da noite para o dia. Pelo menos, é isso que eu
acredito".
Revista
zaP!- Quem é um gênio ou o
"idiota" no meio literário?
Elenilson
Nascimento- "O idiota é aquele que se acha
gênio. E olha que existem muitos por aí".
Revista
zaP!- Você por você, se autodefina:
Elenilson
Nascimento- "Não sou muito bom de me
definir. Então vou usar as palavras de uma jovem jornalista de Salvador numa
entrevista para um jornal local: “Dono de uma personalidade forte,
quando ele escreve parece que estamos em caos. Nele há duas pessoas: aquela que
se revolta com o mundo e publica notícias em um jornal, evocando inquietude e
nos deixando pensativos, expondo as suas cicatrizes e seus demônios internos e
aquela outra que é tão singular, rodopiante, que deixa qualquer pessoa em
descompasso. Ele consegue perceber as pequenas coisas, claro, só poderia ser um
poeta. Engraçado, é que quando as suas palavras não estão presentes e o
silêncio toma conta é quando se pode perceber o quanto ele é necessário. Ele
não escreve poemas em cadernos, blogs ou coisas similares, as paredes de sua
vida estão completamente rabiscadas, ele não quer se trancar entre quatro
paredes, ele prefere estar preso entre palavras. Se Deus foi o tal que criou o
pecado, a dor, o perdão, se ele é o que quer o perfeito e mesmo assim autoriza
a imperfeição, (com todo o respeito aos leitores, para mim ele não passa de uma
mitologia, o mito justificando algo até então injustificável), Elenilson um
cara valente, um menino que brinca com as palavras, um anjo caído
(in)verso."
Revista
zaP!-Deixe uma mensagem e um poema, que
você considere importante, ou apenas queira citar e divulgar.
Elenilson
Nascimento- - "O frio fazia tremer
os dentes e tremer as pernas quando parava. O guichê caiu violentamente, me
atirei contra ele. Era outro preso, o faxina: estava distribuindo água, quer
dizer, enchendo nossos copos de água. Seus olhos gulosos percorreram meu corpo
desnudo. Fiquei envergonhado e muito ofendido. Calei-me, toda minha capacidade
de indignar-me estava agora recolhida. Só queria sobreviver. Esse texto que me
chamou atenção, sobre os presidiários que estão a escrever cada vez mais e
melhor; e que muitos críticos podem até considerar como uma "arte
menor", mas os artífices da nova palavra enjaulada têm um nome e chama-se
Luiz Alberto Mendes. Fiquei muito impressionado com o texto "Cela
Forte" do Mendes, tanto que já conhecia suas linhas e também já o havia
citado no meu romance "Clandestinos". Mendes estava preso desde os 19
anos por assassinato – recentemente ele apareceu na TV num programa da
Record – foi condenado por homicídio a 74 anos de cadeia. Hoje, tem
uma aflição e uma necessidade de expressão muito grande de sangrar que só
encontrei nos textos de Dostoiévski, onde a prisão parece ser o último bastão
de escrita. Em suma: gosto muito da escrita dele e acho que todos deveriam
conhecer. Mendes é autor de "Memórias de um Sobrevivente"".
Blogs:
*Nota: Por questões que não nos compete aqui
enumerar, mantemos na íntegra e sem cortes a entrevista com o escritor
Elenilson Nascimento, garantindo que seja preservado seu direito à Liberdade de
Expressão. Esclarecendo ainda, que toda e qualquer resposta de nossos
entrevistados, explanam a opinião pessoal de cada um, portando,
responsabilidade intransferível quanto as respostas dos mesmos, não garantindo
assim, serem as mesmas opiniões de nossos veículos e entrevistadores.
A
O HOMEM QUE SE ESPREMIA
NO TRAGE DA COR DO MUNDO
MUITOS românticos modernos,
inconformados com o labor da vida árdua, estão por aí devaneando nos bares, nas
filas dos cinemas, nas passarelas, nas avenidas, nos parques, nos palanques,
nos teatros e nas catedrais. Por isso, sem muita distinção, são tachados de
“sonhadores”, mas não se movem, nem sequer lamentam.
Brasileiros
esquecem tudo muito rápido, acaso estejam numa festa, com cerveja numa das mãos
(aliás, que propaganda linda foi aquela do casamento perfeito da cerveja com o
seu “bebedor”) e com bolachinha de maconha na outra. Então, negarei o texto do
Jabor em que ele confessava não gostar do papa que morreu. Mas, como todo mundo
sabe, aquele papa morto era mesmo pop, aliás, o favelado, hoje, também é pop; o
periférico também é pop; Elza Soares também é pop; a tola consequência da vida
também é pop, mas o ACM não. O ACM nunca vai ser pop.
E agora, entre resignações, lá estava o Miranda
perdido e atenuando entre os seus pensamentos, preso entre os seus desejos,
morto em seu silêncio na pausa das coisas feitas.
Era
um homem moreno, tinha sapatos e roupas com as marcas arrancadas à margem de
uma cidade litorânea brasileira, à margem de um estado de feitura de
indagações, numa síncope como a da própria humanidade. Mas ele sobrevivia num
país litoraneamente perdido que eternamente espera a chuva para se maquiar com
um verão em final de tendências da C&A com o Ricky Martin e com um
esquecimento do que seja in-conveniente com a Camada de Ozônio.
E
foi assim, e deu-se assim: quando pousou os óculos de lentes grossas de
professor sobre a mesa de madeira para a leitura das coisas coisificadas do
mundo, ele foi parar na cruz sofrendo, veio calado e foi-se voando, sem
memórias afetivas agora sofrendo... Calado, eternamente introspectivo,
pensativo, com medo dos homens, com pena dos homens, nublado como o tempo cheio
de respostas que desvendam o seu mistério, cauteloso, sem nome, sem fala, se
dando melhor com as coisas coisificadas à sua gente, sem marcas da cruz,
claustrofóbico em seus segredos entre as pálpebras encerradas e em seus dilemas
com humanidade, em sua aversão santa, em sua reclusão santa, em sua
perseverança santa, saudoso de Adão, de Eva, da cobra e do paraíso.
Outro dia, ele se percebeu vendo os
guerrilheiros e decadentistas oitocentistas caras-pintadas nas ruas. Percebeu atônito
quanto o seu país de falsos costumes que não tem problemas aparentes, só
audiências em tardes de domingo, e muito litoral em torno do que seja caótico
ou simplesmente ocioso. Não sabia como pôde aturar tudo aquilo por todo aquele
tempo, como uma marchinha de carnaval fora de época. Aliás, ele botou um piercing na língua para saber o que
seria a monotonia de estar desamparado com uma agulha superfina na sua pele de
veias azuis.
Então,
ele entrou numa farmácia de esquina, dessas que percebemos que anda em crise
pela quantidade de absorventes femininos expostos nas prateleiras e encontrou
uma prateleira estocada com dez marcas diferentes de escovas de dente, cada uma
oferecendo dez maneiras diferentes de escovadas; cada modelo típico, dez cores
típicas; cada cor demasiadamente típica, dez escovas presas nos ganchos
típicos. Deve haver umas dez mil escovas de dente em exibição e os fregueses
caminham alheios à abundância que os cerca; além, é claro, dos dez mil esmaltes
de unha expostos, os dez mil prendedores de cabelo ex-postos e os dez mil
batons expostos. Tudo isso ele encontrou numa farmácia de esquina.
Mas
a cidade que nunca dorme, desmontada em sua crença de carpe diem, tachava o Miranda, esse senhor X, esquizofrênico, louco,
apopléctico, catatônico, tedioso, com amnésia lacunar. Porém, Deus era assim
mesmo, como em suas escrituras em que deixou o seu único filho morrer entre
ladrões, não sem antes ser confundido como um lunático, onde sempre diziam que
Ele viria feito à democracia do nosso país que nunca veio, já que Tancredo
Neves nunca a quis. E veio na figura tão comum e franzina num Brasil cheio de
culpa, com suas mãos grandes e hipertrofiadas, cabelos crespos arrepiados,
nariz adunco, com habilidades especiais, em silêncio, meditativo e até
respeitoso. Tinha na frente a transformação do ser humano nisso aqui que vem
dentro da gente, nisso que é tão normal se não fosse tão terreno.
Eu
já havia avisado que ele acabaria sendo assaltado. Tuas mãos para o alto. Teus
olhos em mim. Tua
boca em espanto num riso enviesado. Eu avisei. Avisei várias vezes por si-nal.
Se realmente ele viria de mãos abanando, precisava saber que não sairia
incólume. Eu, contudo, não peço mais nada. Não pergunto uma única coisa. Eu
pego o Sancho Pança, cheio de si e de senso comum, que declara ao Dom Quixote
sobre o eterno mistério de todos os enterros das valas. Nem quero mais saber se
aqueles versos eram ou não para mim. Não leio mais a fatura do seu cartão de
crédito. Rasgo tuas desculpas. Cuspo em tua boca. Jogo-te no canto. Ponho o
dedo sobre teus lábios incrédulos. Não fales mais nada. Não ouses gritar.
Nenhum gesto bruto mais. Quero-te muito quieto enquanto invado e sacudo e
reviro teus bolsos da calça e tua pele suada.
Hoje ele rouba
o que encontra. Fareja tudo. Violenta a minha gentileza e o meu respeito. Agora
ele não pode mais ir embora, pois nem deixou marcas ou pistas para que eu o
denuncie no vilarejo perdido ali entre
as agonias do mundo. Na varanda ele descansa e vê o horizonte deitar no chão
para acalmar o coração do cão faminto. Ele tem um jeito imprevisível na terra
de heróis mortos, lares de mãe doentes, mas o paraíso se mudou para lá. E,
como numa história maldita, ficou com tudo que encontrou sobre a minha carne
viva.
E
a humanidade dispersa, em mosaicos, em esperanças, em aridez, em saudades
divinas, aqueles que acreditam que ele vinha dividindo mares, devassando
guerras, desconstruindo pentágonos e, casas brancas e estilhaços, ceifando
vidas, abrindo grutas e clareiras, apontando saídas ou legenda – este Miranda
era o de antes, o Miranda de agora é o das sutilezas. O homem que já fez a sua
vez. Vai, eu disse. Era um sequestro relâmpago. Não há preço pelo teu resgate.
Te solto entre as covas. Deixo-te entre o abismo. Já tenho na língua molhada o
teu gosto. Tirei tua temperatura. Se tivesse febre de desejo, agora é só meu
entre os cacos de vidro. Nos olhos prendo o oceano imensamente azulado do teu
riso irônico. Não te machuquei. Você me machucou. Foi um assalto à mão amada,
com sangue derramado no chão.
Mas por cima da tua casa apenas cal, crianças mortas, roupas no
varal, dedos no jornal e frutas verdes em qualquer quintal. Então, vinha um
somzinho do Karnak num radinho de pilha ao longe que lhe desamparava como as
paredes frias e turvas de um sujo quase revelador (imaginava... imaginei...
imagina-mos...). Naquele cenário de realidade omitida de suas aulas de
catecismo com o padreco da paróquia do bairro, ele via o que era a vida sem
maquiagem tal qual a versão da Igreja Católica, caótica por excelência.
“Peitos
fartos, filhos fortes...”, sentia
exatamente o contrário de quando ouviu a música da Marisa de paz e de reflexão
de fim de ano em roupa branca, no escuro do vidro fumê do seu carro. Uma música
meio de contracultura na voz da deusa Monte e as Marias de todos os dias na
merda. Ele, desesperado, sentiu raiva de cada acorde do Zé Tribalista que era
amigo da sua família. E mais uma vez a família lhe assaltava a calma – e entre
eles e os ladrões – não havia diferença alguma. Quem roubou mais da Maria em
cada zapping do seu controle remoto de TV a cabo? Resposta: o Miranda.
Ao
ser questionado, ele não falava absolutamente nada, lhe deram um papel. E Deus,
nesta versão globalizada, desacreditado de gente (foi assim com suas escrituras)
que só para o Miranda, Ele falou. E escreveu, desenhou um livro rasgado em cima
de um piano velho e, levado a Ele, tocou por duas horas seguidas o Bolero de
Ravel. Se outrora Ele deu um sopro de vida, agora, era fônico, com música
derramou na humanidade, a humanidade de volta.
O
Miranda de agora toca música clássica ao piano desenhado no papel, é sensível,
é invisível (as suas roupas não têm marcas) para um mundo mais efêmero e mais
rebuscado em sua tecnologia também tosca. Ele é o que não seja efêmero, veio e
tocou piano por duas horas numa punição aos homens que não ouvem nem mais um
“eu te amo” na sua junção tão enigmática como a sua palavra. E tocou sozinho,
no seu autismo de partituras.
Talvez
eu tenha sido o único que tenha percebido esta aparição tão moderna e tão sem
sentido numa foto de jornal em
que Ele parecia estar olhando para mim, para o meu país, para
o mundo todo. E tão única, por ser universal e tão esperada e, por assim ser,
veio tão simples... Mas talvez só eu tenha percebido aquele outro Miranda com
perfil egocêntrico demais, didático demais, formal demais, sem nome e, sem
história para contar. Talvez envergonhado com tudo o que ele criou, veio assim
como uma forma de pedir desculpas, sem a sua cruz estilizada e que veio para
reintegrar o mundo partido por seguranças, mas ele próprio estava inseguro (eu
também estava inseguro) e veio assim: inerte, impreciso, óbvio, desajuizado,
jovem, enigmático, breve, sigiloso, latente, imperfeito, humano. E foi achado,
mesmo estando perdido nesse mundo de coisas coisificadas.
CARO ELENILSON,SEJA BEM VINDO Á NOSSA SELETA!
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