QUALIDADE E EXCELÊNCIA!

A PIMENTA MALAGUETA APROVA!

Os Jardins de Academus

“Os livros são o tesouro precioso do mundo e a digna herança das gerações e nações."

Henry David Thoreau

sábado, 10 de novembro de 2012

ENTREVISTA DA ESCRITORA MIRIAM SALES NO BLOG "POEMAS DE MIL COMPASSOS"


ENTREVISTA COM A ESCRITORA MIRIAM DE SALES

“É uma luta conseguir fazer vingar qualquer movimento literário na Bahia de hoje.” (M.S.)
Por Ronney Argolo*
Miriam de Sales Oliveira nasceu em Salvador, Bahia. Professora formada pela Faculdade de Filosofia da Bahia, escritora por vocação, estudiosa de História e Literatura. Fez vários cursos livres dessas matérias na Fundação Calouste-Gulbenkian, em Lisboa, no Instituto Histórico e Geográfico da Bahia, na Fundação Cultural do Estado da Bahia e no Museu Carlos Costa Pinto. Como pedagoga especializou-se em Piaget e Maria Montessori, ministrando cursos sobre esses mestres em várias escolas particulares de Salvador. Escreve para vários sites e para jornais e é membro da Academia Poçoense de Letras e Artes, ocupando a cadeira 55. Membro da Academia de Cultura da Bahia e da Academia de Letras Y Artes de Buenos Ayres. E , recentemente, foi uma das convidadas palestrantes da Flica (II Festa Literária Internacional de Cachoeira) que mobilizou a cidade do Recôncavo Baiano em torno de discussões literárias e reuniu intelectuais brasileiros e internacionais.
Ronney Argolo – A senhora diz que escreve porque isso te acalma. Mas o que te desassossega?
Miriam de Sales – A situação mundial como um todo. As crises, as guerras, o preconceito, as diferenças sociais. Vejo que o “homo sapiens” está cada vez menos “sapien” e muito mais animalizado. A Estupidez Humana continua imbatível, os valores desaparecem, as instituições, antes tão acreditadas, se dissolvem, as crenças medievais ainda ditam nossos valores e a violência predomina. Não é um cenário desolador? Mas, o que mais me incomoda é a passividade, o “laisser faire”, a perda da capacidade de se indignar que corrói nossa sociedade.
Ronney Argolo – Como a senhora se sente ao terminar um texto? Menos ou mais inquieta? Por quê?
Miriam de Sales – Sinto um alívio. Monteiro Lobato já dizia que escrever é como fazer xixi, tem que deixar fluir, sem peias, sem críticas, sem uma análise, sequer. Ao terminar, consertam-se os erros e só; conserva-se intacto o pensamento. Se alguém não concordar com o que leu, paciência; é só deletar. Quando escrevo textos críticos ao “establishment”, tentando mostrar às pessoas como as coisas que parecem ser, não são exatamente como as vemos, quando meus artigos levam à reflexão, sinto-me tranquila, apaziguada, com uma confortável sensação de dever cumprido. Se ao menos uma pessoa ler e parar para refletir, terá valido a pena. Enfim, não escrevo para agradar, mas, sim, para desassossegar.
Ronney Argolo – Em seu site, a senhora se define como fruto da internet. Na sua opinião, como a internet interferiu no mercado literário?
Miriam de Sales – A internet mudou quase tudo no mercado literário. Democratizou a escrita. Hoje, graças a ela, muitos podem escrever, expressar seu pensamento, tornar público – publicar – o que pensa e sente. Há muita bobagem lançada na rede? Sim, mas, cabe aos leitores, criar um filtro e só os bons permanecem. Escrever é um ato solitário, como a masturbação; e, diante de uma tela em branco todos se desnudam. Antes da internet, a maioria dos escritores brasileiros eram jornalistas ou começaram escrevendo nos jornais. Era o espaço com que contavam, um espaço para poucos. Fico pensando em quanta gente boa se perdeu, por não ter acesso à publicação dos seus trabalhos. Não sei se você notou que nossos grandes escritores eram funcionários públicos, portanto, com amplo acesso ao poder. Drummond, Vinícius, Guimarães Rosa, João Cabral... Ou mulheres de maridos ricos que bancavam essas “excentricidades” das esposas. Como brotaram, no século 20, as donas de boutique. A mulher tá enchendo muito o saco, abre uma boutique para elas. Alma ocupada não é tentada, dizia minha avó. Outra coisa, o trabalho árduo é inimigo do escritor. Durante o tempo que luta pela sobrevivência, fica difícil o sujeito chegar em casa, apanhar uma folha de papel e tentar colocar seus pensamentos e sentimentos. Eu mesma comecei a publicar quando parei de ter um trabalho externo. Como não nasci para dondoca, fiquei inquieta, lia o dia todo, ia à praia, mas, sentia-me inútil, oca, vazia. Então, ganhei um PC do meu marido e descobri fazendo pesquisas no Google o site literário Recanto das Letras. Aí, começou tudo. Publiquei, com medo, um pequeno texto, no dia seguinte e nos próximos foram tantos comentários elogiosos que nunca mais parei. Hoje, tenho, só neste site, 190.926 leituras e 1038 textos publicados. Ao todo, são milhares de textos e mais de um milhão de leitores na rede, segundo o Google, além de cinco livros publicados, “A Bahia de Outrora”, meu carro – chefe, já vai para 5ª edição. “Contos e Causos” e “Contos Apimentados” já estão na 2ª edição. “Maktub” e “As Filhas do General”, em e-book.
Ronney Argolo – A senhora lançou uma obra que une texto, músicas e imagens. Como harmonizar diferentes linguagens? Algo que une tantas formas diferentes de comunicação ainda pode ser chamado de livro?
Miriam de Sales – Porque não? Creio que você se refere aos e-books. Serão os livros do futuro. “As Filhas do General” contém uma estória curta, com músicas de Chopin, como pano de fundo, e imagens de telas de escritores ingleses do século 18. Ficou um livro belíssimo e muito agradável de ler. “Maktub”, que foi minha estreia como autora, continha pequenas mensagens e estórias curtas. Lancei na Bienal de Salvador em 2009 e vendi mais de 1500 unidades durante e após a Bienal. Já os livros impressos contêm apenas imagens em preto e branco.
Ronney Argolo – Qual o espaço da literatura na era do audiovisual?
Miriam de Sales – Mudamos as formas, não os conteúdos. A minha geração ama o livro impresso, eu mesma não consigo ler um  livro digital; prefiro o cheiro, a textura do livro impresso. Durante muitos anos ele persistirá. Mas, as novas gerações – a geração Facebook – imediatista, sôfrega, preguiçosa, mesmo, ainda preferirá o livro digital que pode ser degustado nas viagens, no trânsito (embora no trânsito das grandes cidades deva-se levar “Guerra e Paz”), no intervalo das aulas e do trabalho, sem chamar muita atenção. Sou de opinião que o livro, principalmente os clássicos, seja lido nas escolas no Tablet e mostrado textos no telão para ser debatido em classe. As pessoas não podem gostar do que não entendem, daí a importância de se discutir o livro.
Ronney Argolo – A senhora escreve contos, crônicas e romances. Qual gênero prefere? Por quê?
Miriam de Sales – Para escrever prefiro os contos. Sou imediatista e preguiçosa, jamais seria uma boa romancista. O conto atinge um número grande de leitores, pois, todos gostam de ouvir e ler estórias. É lúdico e instrutivo. Subliminarmente, a gente vai passando conhecimento, vai fazendo pensar. O humor predomina na minha literatura, pois, o público gosta de rir e literatura é, antes de tudo, diversão. Se além de divertir, ensinar, ótimo. Livros maçantes não têm muito sucesso. Meus livros são escritos numa linguagem coloquial, que todos entendem e gostam. Não escrevo para ganhar prêmios literários, na sua maioria, fajutos – você vê que nem o respeitado Nobel escapou – e nem para ficar rica. Escrevo, apenas, pela necessidade de exprimir meu pensamento. Não busco fama, nem reconhecimento; tenho um público cativo na internet e fora dela. Estando na rede, estou no palco da vida. Escrevo para sites, jornais virtuais, e nos meus nove blogs. O escritor tem que aparecer, mostrar que está vivo, é como uma puta, tem que ficar na janela para marinheiro ver...
Ronney Argolo – A senhora tem uma editora. Como avalia a produção literária baiana contemporânea? Quem são esses novos autores e o que eles querem? É possível identificar traços comuns? Se sim, quais?
Miriam de Sales – A literatura baiana flui e tem vários novos nomes interessantes. Existe uma produção constante, embora, nem sempre divulgada. O que falta entre esses novos autores é união, pois, ela é que faz a força. A maioria vive dispersa, solitária e não se agrega. É uma luta conseguir fazer vingar qualquer movimento literário na Bahia de hoje. A Câmara Baiana do Livro morreu. Houve há algum tempo um núcleo de poetas que também desapareceu. Existem ativistas que lutam a duras penas para divulgar e lançar autores, eu, o Valdeck de Jesus, a equipe do Fala Escritor que sobrevive a duras penas graças à garra dos seus líderes. Mas, na nossa terra, como bem disse um conhecido jornalista baiano, é proibido ter sucesso. As pessoas sentem-se particularmente ofendidas, quase esbofeteadas. Começam as picuinhas, as intrigas, os inimigos ocultos. Sou uma observadora do mundo e lhe afirmo: os autores baianos que se destacaram nacionalmente tiveram que sair para os grandes centros. Jorge, Ubaldo, Capinan... Adonias Filho, um grande escritor, nunca teve seu talento reconhecido. Nas festas literárias, no espaço da grande mídia, sempre são convidados os mesmos; alguns já morreram e não sabem, só faltam deitar. A mídia vai procurar os intelectuais, cuja prosa difícil e chata, na sua grande maioria, ninguém lê. Aos quase setenta e não sendo uma escritora gov.com  não tenho medo de careta, por isso, digo o que penso. Temos uma Academia de Letras. O que ela faz em prol da nossa literatura, você sabe? Pois é, nem eu. Foi-se o tempo em que se dava a mão e a oportunidade aos novos. No tempo do poeta Artur de Sales, meu tio-avô, havia união, congraçamento, compartilhamento. O poderoso Hugo Baltazar da Silveira realizava saraus na sua casa onde os poetas e escritores se reuniam, independente da classe social, tendo como brazão as o seu talento. Bons tempos onde florescia o saber, a cultura, a inteligência, a verve de Lulu Parola, a poesia de Amélia Rodrigues, o talento de Otávio Mangabeira. Muito diferente do academês de hoje. Embora tenha formação acadêmica  prefiro escrever para o povo e lutar pelo povo. Minha literatura é democrática.
Ronney Argolo – A literatura é um campo machista? Os editores e o público têm resistência com as escritoras mulheres? Quais dificuldades enfrentou no começo da carreira?

Miriam de Sales – Não sei, no meu caso se foram dificuldades, pelo menos, deste tipo que você se refere. Quando decidi publicar o fiz por conta própria; não perdi tempo e nem gastei sonhos enviando material para editoras, pois, sabia como essas coisas funcionam; quase sempre não funcionam. Então, preferi o bloco do “eu sozinha”. Publiquei o “Bahia...” e fui à luta para vendê-lo. Não era uma mera desconhecida. Estava bem integrada com meus colegas escritores e tinha a internet. A FPC  me disponibilizou um espaço na feirinha “Vão das Letras”, que funcionava no TCA. No lançamento, vendi 100 unidades. Nunca parei de divulgar e vender livros. Fui cavando aqui e ali, devagarinho, batendo nas portas, mas, nunca deixando de entrar. Livro é um investimento, como a bolsa; tem altos e baixos. Tem que ser trabalhado e acompanhado pelo autor. Aqui ainda estamos na fase da sacralização do livro; o autor tem vergonha de vender seu livro, prefere não sair da sua torre de marfim; enquanto isso, as torres de livros publicados e não vendidos vão crescendo até atingir o telhado da casa. Ou ficam em caixotes debaixo da cama. Mas, o escritor preferiu perder o dinheiro a perder a pose. Já eu , o Lariú, o Hugo Homem e a Marta Medeiros vamos à luta. Marta decidiu viver da venda de seus livros e eu também. Este ano preferi priorizar a nossa nascente editora, mas, em 2013 começarei a maratona em todo o Brasil, com o livro viajante. Estabeleci uma meta de vendas anuais e lutarei por ela. Quanto ao machismo, sinceramente, nunca percebi. No meu caso, pelo menos. Talvez essa bobagem esteja mudando, veja quantos livros de autoras foram publicados no Brasil, este ano. Aqui na Pimenta Malagueta publicamos seis autoras só nesta metade do ano. Entre elas, três poetisas (detesto chamar mulher de poeta; aí, sim, há um machismo burro). Destas três, uma está com seu livro esgotado. Mas, como você sabe as mudanças são lentas. Há que se esperar o tempo certo. Gostaria de, aproveitando a deixa, levar um recado para o novel autor. Nunca desista dos seus sonhos. O desafio não pode ser maior que o desafiado. Se não acreditar em você, quem irá acreditar? E, não caia no engodo de certas editoras. Muito cuidado ao escolhê-las. Laranja madura na beira da estrada tá bichada, Zé, ou tem marimbondo no pé. O meu medo, mesmo, é dos marimbondos, as “pegadinhas” das quais o autor na ânsia de ser publicado, não se dá conta.
Ronney Argolo – É cada vez mais comum que blogs virem livros. A senhora tem cinco blogs. Quais pretensões têm para eles?
Miriam de Sales – Cinco não, nove. Tenho muitos textos diversos publicados nos blogs, textos variados, desde crítica de filmes até filosofia, história, variedades, artigos políticos, etc. Um dia, pretendo reuni-los num livro, mas, apenas, para meu uso pessoal. 

Miriam com o escritor Aurélio Schommer.
Ronney Argolo – A Bahia tem leitores suficiente para sustentar um mercado literário local? É possível viver da escrita dentro do estado? A senhora vive disso hoje?
Miriam de Sales – Não há estatísticas quanto a isso; não que eu saiba. Talvez, em todo o Estado da Bahia haja um bom número de público leitor. No interior do Estado lê-se muito mais, pois, as opções de lazer são menores. O que temos que fazer é produzir novos leitores, seja com leituras nas escolas, contação de estórias e, principalmente, deixar de lado a literatura de coerção. O MEC presta um desserviço ao Brasil quando exige que o aluno leia os livros que eles determinam. Leitura é prazer, não obrigação. Comece com uma leitura acessível a todos, os contos de estórias infantis, o debate sobre os livros lidos. Em vez disso querem enfiar Machado de Assis, um magnífico escritor, mas, de linguagem arcaíca e difícil goela abaixo dos adolescentes. De que Machado fala? Do amor, do ciúme, da traição, da intriga, dos costumes da época. Ou seja, ele nos trás a essência da literatura. Se esse livro fosse bem estudado, em alguns casos, traduzido em classe, atingiria em cheio os adolescentes. Deixe que eles comecem, se desejam com Harry Potter e os vampiros. Daí passarão para Dumas, Júlio Verne, Vitor Hugo. Não apressem o rio do saber, ele corre sozinho. Porém, se a pessoa for obrigada a ler, teremos um futuro leitor perdido para sempre. Uma vez, numa palestra em Minas, os alunos desta escola me disseram que odiavam Machado de Assis. Daí eu lhes contei a estória do Dom Casmurro, sem dizer que era esta; todos ficaram encantados. Então eu disse, é um livro de Machado, o Dom Casmurro. Ficaram pasmos! Adoraram a estória. Sobre viver de livros, não, ainda não dá para viver de livros. Mea culpa, não me dediquei a eles como devia. Mas, se você voltar a me entrevistar no fim de 2013...
Ronney Argolo – Existe uma idealização da Bahia, usada principalmente para fins turísticos, que é formada por apropriações seletivas de obras de artistas como Jorge Amado, Caymmi e Carybé e que interfere em boa parte da produção artística local até hoje. Essa "Bahia idealizada" também se impõe na literatura? De que forma?
Miriam de Sales – Ajuda a trazer o turista que conhece a Bahia como a terra do suor, carnaval, axé e cerveja. Terra de homens preguiçosos e mulheres fáceis. Mas, não influi na nossa literatura atual, cujos temas são diversos e não necessariamente direcionados para a Bahia estereotipada pela mídia. Nossos autores estão preferindo mostrar uma Bahia real, principalmente depois dessas desastrosas administrações em Salvador. Nada de mito e magia. Para que cresçam e apareçam, nossos autores têm que sair mais da toca, se projetarem fora daqui, tornarem-se mais conhecidos nos grandes centros. Participarem de festas literárias, de saraus, de clubes de literatura. E, como venho repetindo à exaustão, fazer mais por si mesmo. Comecei a visitar festas literárias como passante, indo por minha conta e lá, fazendo-me conhecer. Depois, comecei a ser convidada e remunerada. Pois o escritor não pode viver de brisa como bem disse Ubaldo, no seu artigo no Globo, e eu ratifiquei no que escrevi “De Tanga e Chapéu de Gazeta”. O Conselheiro come, senhores. E o escritor também. Parem de nos convidar em troca de casa, comida e roupa lavada. Remunerem nosso trabalho. Como bem disse o meu querido Javier Moro: “Se eu puder entrar na sua casa, abrir a geladeira, apanhar um bife e comer, agradecer e sair, eu lhe darei um livro de presente”. Mortal, mas, verdadeiro.
Ronney Argolo – O que a senhora está lendo agora? Está gostando?
Miriam de Sales – É o que me destrói. No momento, sobra-me pouco tempo para ler. Mas, leio quatro livros de uma vez, assim, pela manhã, um capítulo de um deles, no momento atual, “Juliano”, de Gore Vidal; descansando do almoço, Carlos Fuentes, “A Vontade e a Fortuna”. No intervalo de trabalho, na editora, “O Brasil Vira-Lata”, muito interessante, do amigo Aurélio Schommer, e last but not least, os pensamentos políticos de Saramago, por sinal, muito parecido com os meus. Não se esqueça que tenho que ler, diariamente, vários arquivos que os escritores mandam para publicação.

Ronney Argolo além de jornalista do Correio da Bahia, já escreveu um guia sobre co* Ronney Argolo além de jornalista do Correio da Bahia, já escreveu um guia sobre como escrever bem para leitores de 9 a 11 anos e também já foientrevistado no LC. Seu blog no Correio. Contato: ronneyargolo@gmail.com
fotos: reproduçã



quinta-feira, 1 de novembro de 2012

O JARDIM DO POETA ,ESCRITOR E REBELDE ELENILSON NASCIMENTO






ELENILSON NASCIMENTO,REPÓRTER DE UMA ERA

Rebelde sempre foi desde menino.Inconformado com as injustiças sociais,o falso moralismo,a corrupção que destrói o Brasil ,esse moço não tem medo de dar murro em faca de ponta.
E,já se feriu muitas vezes,mas,como um gato tem sete vidas e uma língua bocageana sempre pronta a  soltar farpas contra quem merece.
a entrevista abaixo  é um retrato fiel do rapaz.
Ele é ou não é uma bomba - relógio?






Elenilson Nascimento escritor baiano em entrevista.
Nossa entrevista exclusiva deste mês, é com o escritor baiano Elenilson Nascimento, que acaba de lançar o polêmico livro de contos "Memórias de um Herege Compulsivo".
O ex-professor, atual escritor e jornalista, (repórter especial e colunista) do "Valôr Cultural" Jornal de Minas gerais e blogeiro da Literatura Clandestiina, nos conta um pouco de sua trajetória, e os motivos que o faz atrair um número importante de leitores. 



Revista zaP!- Nome: 

- "Elenilson Nascimento"

- Revista zaP!Data de nascimento: 

Elenilson Nascimento- "13/01/75".

Revista zaP!- Formação educacional/profissional: 

Elenilson Nascimento- "Graduado em Letras e Jornalismo, pós-graduado em Metodologia do Ensino, mestrando na área de Comunicação (*quase abandonando) e que até hoje "se" pergunta para que entrou em faculdades."

Revista zaP!- Livros publicados? 

Elenilson Nascimento- "Alguns poucos."

Revista zaP!- Quantos e Quais?

Elenilson Nascimento- "MEMÓRIAS DE UM HEREGE COMPULSIVO (2009). Contos – Editora Clube de Autores.

POEMAS PERVERSOS PARA CARTAS DE AMOR (2007). Poesias – edição independente.

OLHOS VERMELHOS – Crônicas Indesejadas Num Lento (E Inútil) Mergulho Em Direção Ao Nada No País Dos Bruzundangas E Outros Escritos (2006). Crônicas – edição independente. 

DIÁLOGOS INESPERADOS SOBRE DIFICULDADES DOMADAS em co-autoria com Anna Carvalho (2005). Contos e crônicas – CBJE. 

EU, TU E TODOS NO MUNDO (2004). Poesias – edição independente. 

PALAVRAS FALADAS FADADAS PALAVRAS (2002). Poesias – edição independente.

Organizei também três antologias para a Coleção Literatura Clandestina.

POEMAS DE MIL COMPASSOS (2009), Vol. 3. Poesias – Editora Clube de Autores.

POEMAS DISPERSOS (2006), Vol. 2. Poesias – CBJE.

CONTOS PERVERSOS (2006), Vol. 1. Contos – CBJE.

Edições especiais.

Edições especiais.

DEZ POEMAS EM UM SUSPIRO (2009). Coletânea de poemas editada pelo Projeto Livro Vivo/Prêmio de Revelação 2009.

O meu conto “O VENDEDOR DE PICOLÉ QUE AMAVA CAPITU”, incluso no meu livro “Memórias de um Herege Compulsivo”, foi publicado através de um concurso literário pela Petrobrás. 

E mais algumas dezenas de antologias espalhadas por todo Brasil, ficando em 1º Lugar no I Concurso de Literatura Virtual, classificado no II Prêmio Literário Livraria Asabeça 2003 e Menção Honrosa no IV Concurso Internacional de Poesias, em Cuba."


Revista zaP!- Quem o convenceu de que tinha talento? 

Elenilson Nascimento- "Isso ainda não aconteceu. Nem em sonhos. Mas aceito ajuda."

Revista zaP!- A escrita é uma vocação ou um ofício? 

Elenilson Nascimento- "Eu penso que sofro apenas de um tipo de condicionamento: sou incapaz de escrever se eu não tiver uma convicção formada. Escrever sem "tesão" ou coisa assim é o mesmo que sexo com uma boneca inflável. 
Há, realmente, colegas meus que escrevem por encomenda só para ganhar uns poucos trocados na conta-corrente. Sou um cara que tem uma rotina, sou muito rotineiro quando trabalho nos meus textos, totalmente oposto da minha vida. Não atuo por impulso, tenho consciência de que a primeira coisa necessária para escrever é sentar-se a bunda na cadeira e esperar. Esperar por um relâmpago. Esperar por uma situação. Esperar por um insight. Esperar por um argumento. Minha vida toda é uma imensa espera. E, às vezes, isso é frustrante. Eu não vou só sentar porque tenho o impulso de escrever, eu sento-me para que esse impulso venha. É como quem tem que se pôr a jeito para que as coisas sucedam. Provavelmente isto desilude, vai decepcionar aquelas pessoas que têm do ofício do escritor uma visão romântica, arrebatada, byroniana, se quisermos. Eu não sou, quer dizer, não me vejo como um funcionário da escrita. Sou um amante da escrita. No conjunto de todas as razões poéticas naturais, razões de ação e dicção ou, sobretudo, nesse modo próprio de saber desde longe que escrever é compreender, que escrever é uma libertação, a qualquer nível e em todas as direções, escrever deixa de ser uma vocação (obrigação) somente para se tornar um ofício (um prazer) imensurável. Mas o mal (ou o inferno) é sempre o ritmo dos outros, a necessidade de querer saber dos outros se tal texto é bom ou não. Contudo, os outros não têm tempo para a leitura." 


Revista zaP!- Você acredita que realmente tem talento? 

Elenilson Nascimento- "Nem se eu ganhasse o Nobel de Literatura. Nem se Saramago chorasse com um livro meu. Nem se o Fantástico fizesse uma matéria sobre mim. Nem se Jorge Amado me falasse de joelhos..." 

Revista zaP!- Profissionalização literária: permite a sobrevivência financeira do escritor ou o afasta do seu caminho?


Elenilson Nascimento- "Por mais que eu goste muito da palavra escrita, entrevistando jornalistas, escritores contemporâneos, vasculhado vidas e obras dos que não estão mais vivos, é impossível formular uma resposta única para esta pergunta. Cada momento literário tem seus próprios dilemas. Cada autor, uma forma de lidar com o problema. No entanto, é possível mapear os pontos de conflito e convergência entre esses dois campos ao longo da minha curta vida de escritor. E, numa apropriação do modelo sugerido pelo crítico uruguaio Ángel Rama em seu clássico ensaio "Dez problemas para o romancista latino-americano", propor uma lista de dez problemas para a maioria dos escritores brasileiros. Com isso, explicitar o que há por trás do jogo de antagonismos entre imprensa e literatura, entre editoras e escritores. E, ainda, a histórica e indissolúvel interação (ditadura até) entre real e ficcional. É lastimoso saber que existem tantos autores criativos que acabam engavetando seus manuscritos "eternamente", após inúmeras tentativas na publicação de suas obras. Os "nãos" são constantes, talvez uma das palavras mais usadas pelas editoras brasileiras: "Não, sua obra não se encaixa em nossa linha editorial" ou "Nossa cota de publicação já está esgotada, portanto, não poderemos publicar a sua obra, mas continue tentando em outras editoras". Porque somente o Paulo Coelho, o Verissimo, o Ubaldo, o Loyola, o Jorge Amado, o Machado de Assis, podem ser considerados escritores? Infelizmente, no Brasil, não existe a profissão de escritor. Vou repetir: não existe nada que facilite a vida de um cara que quer entrar nessa área. Para a maioria escritores são aqueles caras que não trabalham e que vivem desocupados escrevendo. Aqui no prédio onde ainda moro tem um monte de inúteis que acham isso de mim. Quando declaro meu Imposto de Renda (não existo, mas pago), tenho de me dizer ou jornalista, ou professor ou assemelhado. É duro, depois de alguns anos escrevendo (e tentando viver disso) ainda seja apenas um elemento assemelhado. Não é nem semelhante, é assemelhado mesmo! Minha profissão não existe, não é respeitada, não é sequer catalogada. Não posso me aposentar... Não tenho um sindicato que me represente. Estou sujeito a contratos de direitos autorais absurdos que sempre beneficiam os editores e/ou contratantes. Eles, todos com profissão definida. Eu como o que escrevo, e mais nada. 
E para o Imposto de Renda, serei apenas mais um assemelhado morto, um CIC a menos. Vão-se os dedos, ficam os dígitos. O Lula bem que poderia quebrar essa pra gente, mesmo porque ele vai sair aí do Planalto Central e passara o resto da sua vida a escrever uns livros de memórias, e não vai querer que na sua biografia para esse século alguém leia: - "Ex-presidente da República, no fim da vida tornou-se importante assemelhado".

Revista zaP!- Na sua opinião, o dom também pode ser construído? – Como?


Elenilson Nascimento- "Quando eu perdia o meu tempo dando aulas em escolas que acham que professor é apenas uma massa de manobra, costumava ouvir meus alunos dizerem coisa do tipo: - "Eu não tenho o dom da escrita", "Não fui escolhido por Deus", "Não recebi esse talento quando nasci", "Escrever é uma inspiração", achava isso tudo estranho e mais estranho era quando eu descobria que outros professores achavam o mesmo quando se veem sem ideias diante da página em branco. Mas eu concordo mesmo é com o Augusto Fischer que numa matéria no Jornal ABC disse que: “quem escreve pratica uma generosidade”, principalmente numa sociedade imediatista e totalmente alinenada como a nossa, onde as pessoas entram em universidades para aumentar a renda e não para aprender coisas. Ora, mas se levarmos em conta a arte do canto, por exemplo, que bem se nobilita e engrandece desde há muitos anos perante a nossa sociedade, veremos o quanto os escritores são desvalorizados. Observe numa liquidação de shopping: todas as lojas de departamento lotadas quanto as livrarias só com as moscas. E nesse sentido, marmóreo e tenebroso, onde o essencial do que se diz e sente se não perder pelo fio ambivalente e algumas vezes subentendido de se dizer sempre uma e outra coisa, podemos entender como esse idêntico rigor da palavra e da escrita, pela força da imagem e emotividade discursiva, se impõe na recriação dessa coisa que chamam de “dom de escrever”. 
Escrever é um vício, menos cansativo que o sexo e solitário, aliás, totalmente solitário. Pode-se dizer que a escrita é uma construção social, pois sempre precisamos do outro para começar e continuar escrevendo. Mas é um ato, muitas vezes, mórbido. Um fator determinante do nosso grau de familiaridade com o tal “dom escrita” seria a forma que aprendemos a escrever, que valor o texto escrito tem para nós e para a esfera social em que circulamos, a intensidade de leituras que fizemos ao longo da vida e a frequência com que produzimos textos. Um bom exemplo: eu sou muito mais lido nos blogs que eu participo, em especial no Literatura Clandestina, do que nos meus livros. Sendo assim, esses detalhes funcionam como uma fórmula para os que desejam amadurecer a escrita e melhorar o desempenho em relação aos textos produzidos: escreva independente da quantidade de leitores!



Revista zaP!- Como surgiu o seu interesse pela arte, poesia e pela literatura?

Elenilson Nascimento- "Necessidade de expressão, de me sentir vivo. Mas, os tais “dons” não se aprendem. Rubens Alves queria ser pianista, lutou muito para isso, dedicava-se horas a fio todos os dias e chegou à conclusão de que se tivesse continuado seria um pianista medíocre. Comparando-se com um pianista de verdade. No meu caso, desde sempre queria ser escritor. E a diferença entre mim e o Rubens Alves é que, enquanto ele tentava colocar dentro dele, um piano que estava fora, eu colocava para fora um piano (*a minha escrita) que sempre morou dentro de mim. Talvez para o Rubens, o piano nunca passaria de uma prótese. Mas, para mim, o piano sempre foi uma expansão do meu corpo. Só procuro espaço agora para alongar os membros. Embora ache que seja tão polêmica, essa questão de “dom” que também pode ser atribuída aos grandes escritores da literatura, mesmo assim, sabe-se que todos eles só se revelaram como escritores após um grande processo de aprendizagem e uma convivência intensiva com a escrita. E é isso que eu tento fazer o tempo todo. Eu acho – procurei no Google – que não há notícias de que alguém “nasceu escritor” e que esse processo que faz de alguém um célebre ainda é enigmático. Vejo-me escritor como nunca me vi professor. Entende?" 


Revista zaP!- Visibilidade, ingresso no mercado editorial, maior penetração nos círculos intelectuais 

são fatores positivos e viáveis á todos que amam a arte, ou apenas para uma minoria? - Por quê?

Elenilson Nascimento- "As perguntas que faço nesse momento são as seguintes: o que conta quando se analisa uma obra literária de um autor iniciante? Existem no mercado bons lançamentos desses "autores eleitos"? Ora, a resposta é muito simples: NÃO, principalmente porque não foram editados tantos livros com essas "novas cabeças". Mas deveriam existir, levando-se em conta o expressivo número de autores sem publicação no Brasil. Isso tem demonstrado que o nosso país, no entanto, ainda vive décadas de atraso quando o assunto é "renovação". O preconceito contra os novos autores, que era encarado há alguns anos como algo sem importância, passou a ser velado, assim como o preconceito racial e a orientação sexual os são. Se as próprias editoras ainda veem os novos autores com restrição, essas vozes tendem a ser abafadas. Principalmente quando se trata de escritores iniciantes, que têm de enfrentar uma verdadeira via crucis pelas editoras que, invariavelmente, resultam em espera inglória, frustração e mais um trabalho engavetado. E para onde iria a nossa literatura? Sem oportunidade para publicar seus escritos num livro, seria a morte súbita da nossa cultura. Mas o importante é compreender que todos podemos chegar a produzir excelentes textos e que isto não é uma dádiva especial dos céus, mas o fruto do esforço daqueles que pretendem amadurecer nesse sentido. Pessoalmente, já tive vários traumas nesse sentido, mas a cada dia tento passar por cima de tais obstáculos. Fica então a dica sobre o primeiro mito sobre a escrita! Se me permite, precisamos de visibilidade sim. O Lula, além de chorar pela escolha do Rio “com chuva de balas” de Janeiro como sede das Olimpíadas de 2016, deveria fazer alguma coisa de verdade pela cultura neste seu fim de "democrático" governo, além de fazer campanha para Dilma. Sim, se o senhor Presidente, Lula olhasse para trás, iria ver que deixará apenas as tais leis de incentivo fiscais que eu tenho certeza de que não lhe contaram 
direito como funcionam. Nunca tanto dinheiro ficou na mão de tão poucos (melhor ainda: poucas) "agentes culturais". Antes das tais "leis", as peças de teatro tinham oito apresentações por semana, lembra? Agora têm três. Mas eu acho que nem o seu ministro da Cultura vai saber explicar isso direito. Se quiser mais detalhes, converse com alguém que tenta sem sucesso durante anos algum incentivo pro parte dessas leis de nada... 
Voltando ao nosso problema, dos escritores. Dá um jeito aí, senhor Presidente, oficializa a coisa. Nos dê uma profissão, com direito a uma cidadania digna. "Descola aí" umas leis de incentivo pra gente (mas que não caia nas mãos das produtoras)."

Revista zaP!- Você acha, que um escritor, especificamente falando, repassa para a escrita de alguma forma, (linguagem, temática, estrutura etc.) suaexperiências profissionais de áreas diversificadas?

Elenilson Nascimento- "Eu acho extremamente interessante essa pergunta, que é fatal, é uma pergunta que vem sempre: como é que você sendo ex-professor e escritor, como é sua relação com a sua profissão e a sua vocação? Mas, é lamento, uma pergunta feita como se um ex-professor (*que nunca acreditou que ensinar meninos a marcar "xis" em provas fosse algo importante) fosse um caso particular da humanidade. Essa pergunta nunca é feita a um escritor de listinhas de revistas semanais. Nunca! - Pergunta ao Paulo Coelho se já perguntaram pra ele como é que ele pode ser um escritor e bruxo ao mesmo tempo. Acho que não há memória de que a um escritor (mesmo que seja um reacionário completo ou um imbecil que escreve put..ias para editoras mercenárias), de alguém perguntar-lhe que relação você tem, sendo escritor, com o tipo de escrita que você faz ou de quantos livros já vendeu, que é a coisa pior que há no mundo, de reacionarismo, fascista e tudo o mais. A esse nunca se pergunta. Mas ao escritor "sem mídia" e "sem nome" que caiu nesse vício de escritor, sempre a pergunta vem. Então, eu direi que, tal como no conjunto dessas coisas já ficou claro que tenho uma relação pacífica com as coisas do meu trabalho e na relação que o meu trabalho tem com os outros, que não há relação mais pacífica que aquela que eu tenho com as minhas convicções, em primeiro lugar, com a integridade que consubstancia os meus pensamentos, digamos, assim, essas mesmas convicções. Sou dentro e fora - fora quando não estou em relação direta com os meus pensamentos, dentro quando há o momento, quando estou em total envolvimento com o meu trabalho -, digamos assim, há uma relação de perfeita lealdade, de perfeita responsabilidade e de perfeita liberdade. Quer dizer, eu escrevo exatamente o que quero, exatamente como quero, sem nenhuma prévia determinação, orientação, conselho, aviso, prevenção, arranjo todas as palavras que quiserem, vindas direta ou indiretamente de alguém. E por uma razão imediata e simplicíssima, é que eu sendo convictamente aquilo que sou, também convictamente acho que, muitas vezes, perco oportunidades porque não agrado muito uns e alguns." 
Revista zaP!- Você acredita que ao estar "fazendo arte" o artista o faz, sem compromisso com a verdade?

Elenilson Nascimento- "Eu diria assim, desta maneira muito simples, um ato de escrever é só um ato. Não é nada mais do que isto. Não lhe chamo de ato de coragem. Eu sou provavelmente, escandalosamente, prosaico. Não acredito em vocação. Só se pode ter - imaginando que a vocação exista - vocação para as profissões que já existem. Na verdade é a própria necessidade social que vai criando as atividades e as profissões e depois nós vamos para elas. Às vezes, dizemos que fomos para elas porque não tivemos outra solução (*como foi o meu caso com a educação). Mas, também podemos, somos capazes de dizer, ah, eu fui para isto pela minha vocação. Mas qual vocação? Ninguém pode ter a vocação para a informática antes de a informática existir. Eu vou dizer uma coisa terrível. A transverberação de santa Teresa de Jesus, santa Teresa D´Ávila, o êxtase dela, e peço desculpas se ofendo os crentes, acho que ela teve simplesmente um enfarte do miocárdio ou que estava gozando mesmo (*batendo umazinha!). Quer dizer, a agudíssima dor no coração que ela atribuía a Jesus, que a estava transpassando com o raio fulminante do seu amor, não era mais que um enfarte do miocárdio ou um gozo, porque eu presumo que naquele século já havia enfartes de miocárdio ou que as pessoas se masturbavam muito. Entre todas as artes, a única que tem presença garantida nos currículos escolares é a literatura. Isso se deve não tanto a ser ela uma “arte” da palavra, mas ao fato de portar em si alguma coisa que a torna apta a figurar como disciplina necessária à formação de estudantes. Seja como veículo para a transmissão de valores, seja como possibilidade de reflexão sobre uma realidade humana mais geral, a literatura recebe o encargo e o elabora como se fizesse parte de seu ser. Porém, muitos estudantes não passam de carregadores de livros. O que é algo muito triste, pois ninguém ler mais nada, nem bula de remédio. Pensar, pois, as relações da literatura com os valores sociais é pensá-la numa relação consigo mesma, bem como com o homem que ela espelha e, quem sabe, ajuda a formar. Literatura, para mim, é libertação, sem demagogia. É puro gozo."

Revista zaP!- Você não acha que a presença hegemônica dos Estados Unidos no atual cenário internacional pode ter um efeito perverso sobre a cultura do mundo?

Elenilson Nascimento- "A crise econômica americana vai piorar antes mesmo de melhorar, o déficit público vai se agravar nos programas para restauração da econômica antes mesmo de começar. Os EUA vão trocar de piloto automático no meio da tempestade, e o presidente eleito Obama já divulgou que prepara a transição. Quanto a mim, metido a escritor, deveria ficar aqui nos meus blogs, nos meus livrinhos desaforados, onde há tanto a dizer, tanto a cobrar, tanto a refazer, tanto a criticar e tanto a ser crucificado. Mas, nestes últimos meses, sentir um certo alívio por causa da vitória nas urnas do lado de lá, uma imensa vergonha por causa das NOSSAS últimas eleições que não tiveram nada de democrático, mesmo que amanhã venha sair dados feios de desemprego e desalento. Mas do lado de lá, sairão os vermelhos balanços: produtores de etanol decretando falência, por causa da falta de crédito; falta de perspectiva, aumento da violência, preconceito contra estrangeiros e por aí vai, pois nenhum ser humano pode responder a tantas expectativas do mundo todo e de cabeças tão diferentes. Portanto, Obama vai decepcionar muita gente em muitos momentos – mas temos esperanças que muita coisa vai mudar. A consagração de Obama como presidente eleito representa a integração étnica, social, financeira, etária e das várias nacionalidades que formaram os EUA. Ou seja: ele representa o sonho almejado (e algemado) na Constituição norte-americana, que outrora pregado nas palavras do já citado Luther King, de Lennon e de muitos outros pensadores e ativistas que lutaram por um mundo unido e tolerante. Obama é um tapa na cara do preconceito. Preconceito burro, demasiadamente burro!
Parece que dessa vez os estadunidenses não tiveram dúvidas diante da certeza de que Obama era de fato o mais preparado para resolver toda essa pilha de problemas deixada pelo parasita Bush. Para mim, o melhor de tudo, foram as imagens estampadas nas páginas do The New York Times após a vitória nas urnas, onde negros e brancos aparecem com os rostos cheios de emoção."

Revista zaP!- Na sua interpretação, como a leitura pode levar educadores e educandos a tomar consciência de seu potencial criativo e transformador?

Elenilson Nascimento- "Bom, a educação, em especial, por ser o termômetro do ser humano e carro-chefe do nosso suposto desenvolvimento. Como tal, todos os acontecimentos desonrosos nela inserida, envolvendo homens, aparentemente comprometidos com essa tal "catequização", têm repercussão negativa em tudo e em todos. Com esse clima de desonra, abre-se nela as portas para uma revolta silenciosa, como já se começa a perceber, com movimentos variados (Cansei? Fome Zero? Sem Terra?) e até com ataques antidemocráticos (a demissão da jornalista da TV Cultura, Salete Ramos, por ter criticado o governo e a sua política de quitanda). Aliás, até mesmo o presidente da Lu(l)a (no meio das CPIs das pizzas) já disse que "estamos em situação de perigo" – como se nós não soubéssemos.
A educação na Bahia, por exemplo, é uma grande MENTIRA. O governo do Estado alimenta a opinião pública com suas UTOPIAS e DEMAGOGIAS publicadas na mídia e em jornaizinhos burocráticos e taxativos. Mas o Brasil inteiro precisa que a educação seja tratada com respeito. E eu, como professor, aliás, como ex-professor, tenho VERGONHA dessa situação além, é claro, de constatar que o Brasil perde a sua grandeza perante o mundo quando a FARSA, a HIPOCRISIA e a DESLEALDADE são protagonizadas por profissionais ligados à educação, editores, parlamentares, prefeitos, advogados, ou qualquer outro cidadão comum e até por um presidente da República, felizmente, destituído, ou pelos casos mais recentes de CORRUPÇÃO no Planalto Central ou na padaria ali da esquina.
Mas, certamente, não passa despercebido o fato de que o mesmo governo que luta para manter o salário no mínimo do mínimo, por conta do equilíbrio das contas públicas, sirva de patrono a uma iniciativa que implique novos gastos. Então pergunto: como educar esses jovens que vêem nos exemplos dos palanques e nos cargos públicos os heróis ou representantes desse país de quitanda? Eu respondo: NÃO SEI! E como a atriz Regina Duarte, agora eu grito melancolicamente: “TENHO MEDO!!!”. Como falar de leitura num país que, historicamente, não valoriza isso? Pais ausentes, alunos carente, professores doentes. Não há sociedade possível sem valores porque não há vida tolerável sem eles. Mesmo a pessoa aparentemente mais desprovida de propósitos oculta, na convivência de sua intimidade, as metas de realização de sua vida. Como também podem ser para nós: pequenas, insignificantes, mesquinhas e equivocadas, mas são a sua sustentação no dia após dia. "Eles praticam um massacre e o chamam de PAZ", disse o filósofo Tácito. A grande maioria dos professores é medíocre, pois não passa de reprodutores da doutrina do sistema. As "fofocas" e o "pedantismo" nas salas de professores e nas reuniões de coordenação não passam de articulações de uma massa empobrecida pela falta de valores. Professores são arrogantes por natureza e, muitas vezes, são considerados de imbecis pelos próprios alunos (ou pela própria instituição). E você acha mesmo que a mediocridade só existe nas escolas? Nas universidades a coisa é mais gritante. Acho muito difícil se falar de educação num país como o Brasil. E falar sobre isso com professores? Bom, eu não acredito mais em professores!"

Revista zaP!- Em sua opinião, onde e quando começa o aprendizado para uma cultura sustentável? 

Elenilson Nascimento- "E, talvez, por eu também ter sido professor, essas linhas venham a se tornar meio perigosas ao que eu vou gritar, afinal sobrevivo aos ataques de passionalidade que os vestibulares vivem em idílio com autores que não falam, mas se omitem num discurso evasivo, pois o processo do vestibular no Brasil é caduco, por ser inexpressivo e feito de condicionar meninos em colocar "xis" numa fileira de frases. A farsa (fraude) do Enem que o diga! A enigmática profissão celibatária sobre tablados, a profissão do discurso, do senso cosmopolita, dos michês ideológicos sem o valor inflacionado de Bruna Surfistinha, a profissão deduzida por um sistema de espólio financeiro e que sitia profissionais com esquemas melancólicos como a dos carvoeiros sem digitais, a profissão ecumênica e que dá indícios de profissão de cunho filantrópico ou religioso: PROFESSOR, o michê da educação, aquele que ganha salário em cheque de terceiros e pré-datado, aquele que é responsável por tudo neste sistema de terceirização de culpas e de silêncios numa versão unilateral do estadismo da classe média inadimplente."

Revista zaP!- Como e por que a literatura pode contribuir para esse aprendizado?

Elenilson Nascimento- "Cada país, cada povo, tem os representantes que merece. Uma das coisas mais comuns de ouvirmos do senso comum em relação ao universo político, educacional e artístico brasileiro é a máxima de que aqui só há corruptos. A frase é ilustrativa do quanto o brasileiro exime-se quando se trata de assumir as responsabilidades pelas mazelas nacionais, pela educação ruim e pela cultura de quinta que produzimos. Falamos como se Brasil, em especial o Distrito Federal, fosse uma terra maligna fértil de onde brotam espontaneamente políticos nada dignos e sempre dispostos a corromperem e serem corrompidos. Ora, o que há de bom e de ruim aqui no Brasil é nada menos que o produto da exportação de todos os estados do país, de todos os eleitores brasileiros. Brasília, por exemplo, tem o que nós, como cidadãos e eleitores, enviamos das urnas para lá. Eu acredito que os artistas brasileiros – formadores de opinião – se dobraram a ditadura do "politicamente correto". Eles se omitem diante das crises desse governo do "nada sei" que ajudaram a eleger, além de que, o senhor Presidente, só não sofreu um impeachment até agora por incompetência da oposição. Os "formadores de opinião" costumam agir em bando. Eles só querem sempre ser bonzinhos, de esquerda, do bem – e, muitas vezes, nem refletem sobre o que estão dizendo. O nosso meio literário é cheio de acadêmicos e estrelinhas metrosexuais, ou seja, tudo isso é deprimente.
É muito mais interessante você consumir leitura de blogs espalhados na rede do que só comprar livros de listinhas produzidas por revistas semanais. É preciso com urgência promover amplamente, desde a primeira infância, a leitura de livros de literatura, criando as condições necessárias para o contato contínuo do público infantil e juvenil com o universo literário. É possível sim transformar o Brasil em um país de leitores. O que entendemos por um país de leitores e o que esperamos dele. O problema é como fazer para que as ações existentes de promoção da leitura possam convergir para uma atuação conjunta na construção de um país leitor? Já foi provado que oficinas literárias são necessárias para agregar técnica ao talento de um escritor. Essa troca de experiências é essencial para a formação de qualquer aspirante a literato. Mas a mídia reduz a nossa literatura em segmentos de mercado. O leitor deixa de existir em detrimento da lógica do consumo. O grande drama do jornalismo literário e da própria literatura no Brasil é que jamais se tentou criar um mercado de leitores no país. Daí a pergunta: para quem se dirige os livros produzidos? País com baixa densidade de leitores, o mundo literário não passa de uma ficção, de terreno para viagens egocêntricas.
Revista zaP!- Uma pessoa que exerce profissão paralela à arte, pode ter a área profissional afetada pela ficção?

Elenilson Nascimento- "Não acredito nisso."

Revista zaP!- Qual é a relação entre a sua vida e a sua obra?

Elenilson Nascimento- "Todos os personagens que eu crio têm alguma coisa de "figuras" que eu já conheci ou conheço. Eu me baseei em homens paranóicos que se acham importantes. E é o que mais tem por aí. Criei-o antes mesmo de ter pensado em ser escritor. Minha primeira dúvida era se ele seria um profissional ou um amador. Ora, há muito amador na literatura, e um cara paranóico nunca poderia trabalhar num mundo concreto. Por isso, decidi que o sir João Grandão, por exemplo, do meu livroMemórias de um Herege Compulsivo, fosse antes de tudo um profissional, que se comportaria segundo os procedimentos de sua classe, mas completamente louco. Depois, quis que ele fosse correto, corajoso, decente, galante... e que tivesse pendores artísticos. Por isso transformei-o em um poeta, mesmo sendo maluco."

Revista zaP!- O conhecimento a um clique de distância é possível?

Elenilson Nascimento- "É claro. Basta o cara ter pelo menos, algum interesse."


Revista zaP!- A Internet tem contribuído, ou já contribuiu para difusão do seu trabalho?

Elenilson Nascimento- "A Internet é a única ferramenta que eu tenho no momento para divulgar o meu trabalho. Se eu for depender da boa vontade de editores estaria perdido. Eu amo Internet!"

Revista zaP!- E o reconhecimento a um clique é utopia?

Elenilson Nascimento- "Há, realmente, uma certa crítica, que se comporta, digamos, atravessando os passos às escuras, onde se pode pensar porque não se vê o que lá está, está vazio. Esse tipo de crítica "toma na cara" e escolhe um caminho, vai às escuras. Essa é a crítica que, no fundo, só vê o que está no seu caminho, o que significa que só vê o que está no caminho que escolheu. Se escolheu ignorar o resto, o resto não chega lá. Pena para ela, pois anda perdendo muita coisa bacana. Às vezes, críticas ao meu trabalho feitas com inteligência, com sensibilidade, feitas por pessoas que, enfim, tem alguma capacidade, mas que não significa, de modo geral uma preparação clara, enfim, quer acadêmica, quer não, mas que justifique exatamente essa espécie de missão, de intermediários entre o autor e o público. Já que, realmente, a grande função da crítica é essa. Não é dar lições ao autor, porque o autor não as quer. Não as quer e ainda que quisesse recebê-las, não pode. Não pode, o autor tem o seu caminho próprio e ficará muito aborrecido se lhe disserem que seu livro é mau. Já ouvi gente dizendo que eu sou rancoroso, mimado, egoísta, demagogo e coisa e tal. Todas essas "merdas" são ditas por pessoas que não me conhece e nem se dão ao trabalho de conhecer o que eu escrevo, mas estão por aí metendo o pau. Um escritor de verdade, o que eu tento ser, mesmo sendo metido, aliás, vai escrever outro livro pelas mesmas razões que escreveu os outros: convicções. Enfim, não há que fugir disto. Agora, para o público é indispensável. Então, digamos, o que está a acontecer hoje numa relação, a relação entre o público e o autor está a fazer-se diretamente. Não passa pela mediação da crítica. A crítica, enfim, vai falando, falando e falando. Os críticos que há, que - repito - não são muitos, vão, enfim, falando dos livros que não leram e tudo o mais, mas é realmente uma relação direta entre público e autor o que realmente importa Eu não diria que é o ideal, porque, na verdade, embora eu tenha dito aqui algumas palavras, enfim, não muito lisonjeiras para um certo tipo de crítica, a verdade é que eu considero a crítica necessária. Eu considero a crítica indispensável, mas não vou morrer se meterem o pau no meu livro."


Revista zaP!- Você percebe algum aspecto incomum na Literatura Brasileira?

Elenilson Nascimento- "Incomum? Vejamos. Um cara que tem um blog, escreve bem, mas que ainda não tem um espaço cativo e que não é incentivado por ninguém. Isso só acontece num país como o nosso. Isso é muito chato."


Revista zaP!- "Escrever, pra mim, é uma necessidade"... - Com você, isso ocorre e de que forma, ou com qual periodicidade?

Elenilson Nascimento- "Creio que para se falar com Deus, há de se ter mãos vazias e os dedos na Internet. Esses "escrotos" se rejubilam, quando vêem ganhar corpo o pior de seus flagelos: o viver desesperançado de um cidadão (como eu, e outros milhares de escritores "clandestinos" desse país), e, quanto mais caótica a situação, mais tripudiam e dificultam a produção artística. Não me surpreende mais o quadro deplorável a que nos conduziram, diante do paradoxo: todos nós, escritores e artistas, ainda somos agentes da formação de cidadãos para vida, tentando levar nossa mensagem no limite de nossas forças, enquanto os exemplos desmoralizantes e alienantes estão a sufocar quotidianamente a nossa voz. Diante da grandeza humana de que somos investidos, enquanto seres racionais, morre-se em vida, quando se tem morta ou sufocada a dignidade e o direito à justiça e a verdadeira produção artística. A única coisa que eu tenho de importante é a minha escrita. E só!"



Revista zaP!- Os poetas ligados à poesia concreta, de linguagem construtivista, defendem o fim do ciclo histórico do verso. O que você pensa a respeito?

Elenilson Nascimento- "Lima Barreto, por exemplo, deveria ter sido um dos autores mais lidos da literatura nacional e leitura obrigatória nas listinhas indigestas desses vestibulares da vida, em vez disso, acadêmicos e professores universitários babões teimam em ignorar a excelência da sua obra, pois, mesmo eles não gostando muito, ela sintetiza muito bem as posições polêmicas e ainda atuais sobre a vida, a literatura, as mazelas e iniqüidades sociais do nosso país de faz-de-conta. Infelizmente vivemos num Brasil onde o presidente de "quatro dedos" prefere ficar fazendo reuniões com o G5 para sinalizar o próximo dia em que vão plantar árvores, lançar auto-biografias bizarras e comer secretárias e, só depois, salvar o planeta com frases do tipo: "Não faremos concessões a nosso crescimento econômico", enquanto pessoas morrem em acidentes aéreos, bebem leite com água oxigenada, são exterminadas pela policia nos morros e favelas, são roubadas por esses marginais engravatados, são f... todos os dias e por todos os buracos. A Copa de 2014 é mais uma política do "pão e circo" e o povo totalmente "bitolado" nessa "merda" toda engole sem reclamar. Isso é a nossa democracia! Assimilar culturas? Você acha mesmo que temos alguma condição de assimilar culturas dos outros quando nós mesmos jogamos a nossa no lixão? O que podemos esperar de um povo que compra a Bruna Surfistinha "envelopada" de "escritora" e "cultura" quando um Elenilson da vida tem de apodrecer implorando por uma edição? Entramos no século XXI com todas as possibilidades científicas e tecnológicas de superação das nossas condições de desigualdade econômica e sócia, mas infelizmente a realidade brasileira não confirma essa tese. Ocupamos o segundo lugar em mortes por armas de fogo em todo o mundo (*UNESCO/2005), temos 25 milhões de miseráveis e uma educação formal deficitária. A desnutrição, a morte do futuro de adolescentes por gravidez precoce e, como se não bastasse, os assassinatos no campo e nas grandes cidades permanentemente em conflito são situações cotidianas em nosso país. E o que ainda temos que esperar? Conforto? Ou a Copa de 2014 na Fonte Nova?"



Revista zaP!- Você acredita que as antologias são referencias que costumeiramente enriquecem perfis curriculares? – Por quê?

Elenilson Nascimento- "Acabei de lançar a antologia Poemas de Mil Compassos, um pequeno-grande volume de poemas, com 51 poetas que me tiraram o sono por alguns meses. Esse tipo de seleção é bacana porque faz com que eu conheça trabalhos de artistas diversos, mas muitos desses artistas não têm consideração e respeito pelo trabalho do outro. São os primeiros a dificultar o processo. Esse livro de poemas já fez um mês que foi lançado. Se 10 dos 51 compraram o livro e divulgaram em algum lugar, nem que seja na padaria da esquina, isso já é um milagre. O que eu acho é que, graças aos próprios autores, esses livros só servem para ocupar espaço na estante de amigos. Uma pena."

Revista zaP!- Qual a importância das antologias para a literatura brasileira?

Elenilson Nascimento- "A antologia Poemas de Mil Compassos, organizada por mim, reúne 51 poetas brasileiros e portugueses contemporâneos, e mais algumas entrevistas com pessoas ligadas às artes, das mais diversas linhas e matizes, mas afinados com a ideia de invenção, pesquisa estética e rigor. Estão presentes autores como Gaspar Silva, Airton Soares, Artur Gomes, Eliane Silvestre, Andréia de Oliveira, enfim, poetas muito diferentes entre si e desconhecidos do público. Agora, multiplicidade não quer dizer "vale tudo". Recusamos muita coisa. Numa época em que certo establishment universitário quer exorcizar o fantasma da vanguarda para afirmar uma poesia fácil, cotidiana e conformista, nós insistimos em defender a escritura poética crítica e criativa, que busca novas formas estéticas. Mas eu acredito que as antologias, assim como as revistas e sites e blogs de literatura, podem oferecer ao leitor disponível um pequeno panorama da produção poética de um período. Nenhuma antologia é completa, nenhuma diz a última palavra e, certamente, todas cometem equívocos. Agora mesmo saiu em Portugal uma coletânea de poesia brasileira do século XX que ignora quase totalmente o que foi produzido no País nas décadas de 80 e 90, além de incluir notas críticas no mínimo suspeitas. Por outro lado, se formos ver outras antologias, publicadas no Brasil e no exterior, não é fato raro a inclusão do próprio organizador numa mostra. O que deve ser considerado, para mim, é a qualidade e a coerência desse tipo de inclusão, se ela é baseada em méritos reais ou em vaidade."

Revista zaP!- A poesia surrealista é uma das mais refinadas, em que o pensamento se faz por imagens. Esse é o principal motivo que dificulta sua difusão?

Elenilson Nascimento- "Bom, não sei por que você acha que a poesia surrealista é uma das mais refinadas, pois essa é uma ideia de um livro de 1928, "O camponês de Paris", onde o poeta Aragón anunciava ao mundo um novo vício, esse tal de surrealismo. Ele convidava, naquela época, a entrar nos domínios do que chamou "os reinos do instantâneo". Acho isso tudo um exagero, mas, contudo, o surrealismo ressalta uma das mais fortes crenças dos adeptos da corrente surgida na França, na segunda década do século XX, e que teve em André Breton seu líder maior. Não gosto muito de ficar dizendo que essa ou aquela poesia é mais refinada ou mais importante do que outras. Acho isso muito chato. Se fosse assim, a imaginação, o instinto, o inconsciente, a intuição, as fulgurações instantâneas, acima da razão e da lógica, levando ao campo do mágico e do mistério, não seriam vistos como possibilidades de ampliar o campo do conhecimento e libertar o homem, principalmente os mais ignorantes, dos entraves que o escravizam."

Revista zaP!- A matéria-prima do poeta é a palavra?

Elenilson Nascimento- "Não tenho qualquer pretensão de "neutralidade". A pretensa "neutralidade" é o refúgio mais comum dos covardes e dos oportunistas. Dizendo-se "neutros", destilam os piores venenos e preconceitos possíveis. Veja-se a "neutralidade" (chovam aspas) com que uma boa parcela da universidade trata a poesia contemporânea é sinônimo de burrice. E a maioria dos acadêmicos são muito burros. A diversidade de fato marca a poesia presente, mas as duas vertentes poéticas mais comuns no Brasil contemporâneo foram sistemática e intencionalmente ignoradas: a poesia bem comportada, bonitinha mas ordinária, dos neoparnasianos arcaizantes e mentalmente afetados, que ainda se dedicam a criar requintes postiços e defender o retrocesso e a gratuidade retratista, ingênua e simplista dos neodrummondianos redutores. Por tanto, a matéria-prima do poeta é a indignação. Só ela move cabeças e escreve versos. Sem ela não somos nada."

Revista zaP!- Como você avalia as inúmeras obras intituladas Poesias ou Poéticas que são constantemente veiculadas na Internet?

Elenilson Nascimento- "Uma discussão sobre a poesia no mundo e no Brasil é sempre válida, mas tomo muito cuidado nessa questão, pois nem sempre vejo com bons olhos essa enxurrada de antologias feitas sob encomenda por editoras que só querem vender produtos. Antologias ajudam sim a divulgar o trabalho. Nisso, são importantíssimas para a poesia, já que o descaso nesse ramo de atividade é a norma – tanto por parte dos senhores editores quanto por parte de muitos "poetas". Elas facilitam o acesso do leitor interessado, que pode, assim, procurar os livros específicos de cada autor. O principal problema é como as antologias são encaradas no Brasil. O antologista muitas vezes veste a toga de juiz do bem e do mal, advogando-se o poder de escolher "os melhores poemas, poetas, contos" etc. Contam, também, com a avidez dos possíveis antologizados, que muitas vezes veem a sua inclusão em uma antologia como um aval paternalista à sua obra. A escolha dos poetas incluídos em Poemas de Mil Compassos, por exemplo, de maneira alguma, como o coloquei na Introdução à obra, "representa uma afirmação categórica" de que esses são o(a)s melhores poetas do Brasil hoje e talvez por isso mesmo muitos deles nem se deram ao trabalho de adquirir a obra. O que eu achei lamentável... Muitas poesias postadas em blogs, sites e Orkuts são um amplo panorama da poesia de invenção, dentro dos limites do que conhecemos e pesquisamos, no Brasil da virada do século XX para o XXI. - Erramos? Certamente. Só o tempo, o maior dos críticos literários, poderá trazer à tona os erros e acertos das nossas escolhas. Em suma: eu gosto muito de ler as poesias que estão sendo espalhadas na rede!"

Revista zaP!- Como você vê o mercado editorial?

Elenilson Nascimento- "A cadeia de preconceitos contra os escritores novos começa com os chamados "intelectuais", que não querem conhecer o trabalho de autores que não têm seus nomes na lista de revistas semanais, e termina no livreiro, que se recusa a comprar e exibir os livros em suas estantes. Sem contar o comportamento da crítica literária deste país, que ignora solenemente autores "iniciantes", contribuindo assim para que apenas algumas obras sejam "escolhidas". O mercado editorial brasileiro está se fechando novamente ao autor nacional, um movimento negativo que se tornou cíclico, mas não inevitável, nem um mecanismo cego. Talvez com a chegada do Kindle isso represente uma possível união entre a universalidade prometida pela internet e a privacidade oferecida pelo livro. Mas ainda é muito cedo para se falar sobre isso. Recentemente uma revista literária de circulação nacional pediu a vinte escritores brasileiros uma lista dos dez melhores livros de contos. Escritos em qualquer época, em qualquer língua. No fundo é aquela bibliografia de sustentação do escritor - os livros que ele relê – e que possui um caráter quase imutável, permanente, eterno. Fiquei muito surpreso (e lisonjeado) de ter sido citado, mesmo sendo o último da lista, pelo escritor Chico Porto, por causa do meu livro Memórias de um Herege Compulsivo. Mas antes de tudo é preciso corrigir os erros que se repetem ciclicamente e que levam ao dito fechamento de oportunidades para novas cabeças. Eis as razões: 1) inundação e encalhe de maus títulos, algo que se repete igualzinho à crise anterior, mas parece que editores, pequenos e grandes, esquecem as lições históricas, porque durante as vacas gordas apostam em tudo quanto é cavalo manco, metáforas zoológicas à parte, a exemplo do “escritor fofo” exaustivamente inventariado por Mirisola que, a despeito do ridículo, de fato existe e contribui vastamente para o recuo do mercado – embora ambos (editoras e autores mancos) ainda não saibam: afinal, o leitor não é besta nem está aí para ser subestimado. Em nome do mercado, anulou-se o principal, descaracterizando-se assim o escritor e a escrita como profissão e como arte. Algo semelhante aconteceu nos anos 70: a editora Ática só na coleção "Tempo Brasileiro" lançou na mesma época dezenas de títulos de autores inéditos e onde estão esses sujeitos 30 anos depois? Que o brasileiro não pode (*por total falta de dinheiro) e não tem (e não quer) o hábito de ler. Isso é notório! O povo não tem condições financeiras de adquirir sequer um livro ou uma revista que seja. Os preços cobrados por esses produtos podem até ser justos, mas a renda da maioria dos brasileiros não permite que se faça proveito desse luxo. Chamo de luxo, porque no Brasil não se consegue comprar um livro por menos de 9,90 de reais. Esse valor faz muita falta no bolso de uma pessoa que vive de um salário mínimo. Porém, as condições financeiras talvez não sejam os únicos motivos para a falta do hábito da leitura".

Revista zaP!- Convive ou já conviveu com outros escritores que também são jornalistas? Relate discussões, casos interessantes, momentos marcantes.

Elenilson Nascimento- "Já trabalhei como repórter num jornal de Salvador, mas é complicado cobrir matérias devido à quantidade de "estrelinhas" que se dizem jornalistas que não deixam "focas" entrarem na sua área. Mas consegui vivenciar tudo indiretamente. Só se eu fosse um policial formado na academia (*Deus me livre) poderia trabalhar em assassinatos. Mas eu era, na época, um professor de cursinho, que dava aulas para sobreviver e estudava Jornalismo porque queria escrever. Mesmo assim, aproveitei meus tempos de jornalista para estudar métodos de investigação e perícia. O que mais fiz em minha vida, agora me sentindo um escritor, foi pesquisar, pesquisar, pesquisar. Disso tudo, estou fazendo bom uso em meus livros, para dar credibilidade a uma história. Para não falar da infinidade de homens e mulheres que trabalharam, que amam – olha eu falando de amor – que pecam, que fod... e me inspiraram para compor os personagens".

Revista zaP!- Qual é a importância dada à literatura, e à arte, em cada um de seus espaços (on-line)?

Elenilson Nascimento- "Eu adoro Internet. Tenho tudo: MSN, Orkut, blogs, Twitter e sei lá mais o quê. Mas não me pergunte se eu olho tudo isso todos os dias. Sou um sujeito bem típico do tipo cidadão atomizado. Mas não faço parte de nenhum grupo, não sou filiado a nenhum partido. Aplico o princípio de Groucho Marx: “Não acredito em instituições que aceitem pessoas como eu”. Sou, nesse sentido, marxista (risos). Isso não quer dizer que não possa me juntar a outras pessoas ou organizações para fazer reivindicações. Agora, para o indivíduo ser prestável republicanamente, tem de ter um nível de compreensão e de conhecimento do que acontece no campo político que é fundamental. Sou um cidadão digital sim, mas no sentido de que fico bem informado usando os recursos digitais. Tenho alguma competência em ter informação dessa natureza e, portanto, poder reagir digitalmente, embora seja atômico. Portanto, adoro Internet! A Internet é uma coisa do demônio. Então, devo gostar dele também".



Revista zaP!- Quais são os seus maiores desafios atualmente?

Elenilson Nascimento- "Divulgar o meu trabalho. Fazer com que as pessoas leiam os meus livros e os meus textos".

Revista zaP!- E os planos? Há alguma projeção objetiva ou uma meta específica para o futuro? Qual (is)?

Elenilson Nascimento- "Não faço mais planos. Não sei se tenho mais objetivos traçados. Não acredito mais nisso".

Revista zaP!- Se o mundo fosse acabar e você só pudesse salvar obras literárias e assim sendo, apenas dez livros, quais seriam estes?

Elenilson Nascimento- "Puxa, que coisa difícil. Mas, vamos lá: O meu livro ainda inédito "Clandestinos". "Antes Que Anoiteça" do cubano Reinaldo Arenas, "Dicas Úteis para uma Vida Fútil" de Mark Twain, "Dicionário de Suicidas Ilustres" de J. Toledo, o único de Machado que eu gosto: "Dom Casmurro", "O Caçador de Pipas" de Khaled Hosseini, "O Perfume (A História de um Assassino)" de Patrick Süskind, "A Arte de Escrever" de Schopenhauer e "A Curiosa História do Editor Partido ao Meio na Era dos Robôs Escritores" de José Luis Saorín".

Revista zaP!- Que conselho você daria aos novos autores, àqueles que estão começando?

Elenilson Nascimento- "Se jogue"!

Revista zaP!- Você já sentiu vontade de "esganar" um crítico?

Elenilson Nascimento- "Esganar? Não. Mas abraçar também não. As críticas são corruptoras do pensamento dos que pensam".



Revista zaP!- Para um escritor que acabou de lançar o Livro "Memórias de um Herege Compulsivo", você acredita que existam leitores ruins, que tipo de leitor você dispensa?

Elenilson Nascimento- "Sei lá. Não estou em condições de dispensar leitores. O Paulo Coelho até pode se dar ao luxo de fazer isso. Mas eu acho que leitor é como sexo. Por tanto, não existe leitor ruim".

Revista zaP!- Você recolheria algum livro das livrarias? Qual?

Elenilson Nascimento- "Perdoem-me os fãs do Gabo (Gabriel García Márquez), mas até hoje não consegui ultrapassar a página 9 do "O Amor nos Tempos do Cólera". Talvez seja por incompetência minha mesmo. Recolher das livrarias eu não sei! Mas não compraria os livros do Lair Ribeiro, da Bruna Sufistinha (uma vergonha a editora ainda ter publicado), todos os de Fábio "metrossexual" de Mello e os do Sarney. Mas, contanto que eu não gaste dinheiro com eles, acho que todo mundo tem o direito de escrever o livro que quiser e até de virar imortal. O Collor é membro da Academia Alagoana de Letras, mesmo sem ter escrito livro nenhum. - Pode? - Pode sim. E o pior que eu nem fiquei estarrecido com essa eleição(?). E por um motivo muito simples. As academias, no geral, são ecos desavergonhados dessa política literária quem impera no nosso país".


Revista zaP!- Você já sentiu vontade de "roubar" a autoria de um livro?

Elenilson Nascimento- "Vários. "A Vida Como Ela É" de Nelson Rodrigues, "A Revolução dos Bichos" de George Orwell, "Hilda Furacão" de Roberto Drummond, "Os Dez Mandamentos Para o Século XXI" de Fernando Savater, "Uma Gota de Sangue - História do Pensamento Racial" de Demétrio Magnoli, entre outros.


Revista zaP!- Se Deus existe, o que Ele pensa sobre você?

Elenilson Nascimento- "Imagino que Deus não goste muito de escritores".

Revista zaP!- Na sua opinião, como a leitura pode levar educadores e educandos a tomar consciência de seu potencial criativo e transformador?

Elenilson Nascimento- ""Eu não acredito mais "nesta" educação. Não acredito em determinados "tipos de professores". O Brasil é uma grande "porcaria" neste sentido porque a nossa mídia, muitas vêzes é mais idiota do que um programa de auditório, sem conteúdo ou o César Borges (ex-prefeito de Salvador, que recentemente foi derrotado nas eleições municipais). Os imbecis têm o poder de escravizar milhões de pessoas e perdem tempo nos fazendo pensar sobre os benefícios da cafeína, ou sobre o novo disco da filha de um artista cantor que já foi ministro.
A coisa mais subliminar que conseguem enfiar na nossa cabeça é um bordão "escroto" de uma novela das oito. Que coisa primitiva e deprimente. Perde até para meia dúzia de índios pelados dançando ao redor de uma fogueira. Meu Deus! Nós não precisamos mais disso! Nosso país precisa de zumbis dispostos a trabalhar sem reclamar da exploração, achando que esse é o único meio de prosperar socialmente. Enquanto coisas como o Piscinão de Ramos forem pauta de jornal e enredo de novela, só estaremos fabricando libertinos preguiçosos. Mas felizmente isso vai acabar. Mesmo com o mercado das comunicações aberto para empresas estrangeiras e nós (supostamente) com nossas mentes condicionadas por mega-comparações que infelizmente não estão nos levando a nada. Empresas que sabem transformar audiência em lucro, idiotização em consumo, "liberdade de expressão" em prosperidade... Finalmente aprenderemos a trabalhar, a nos divertir, a gastar nosso dinheiro e até a votar. Editores de países evoluídos vão nos dizer qual é o candidato certo, estaremos livres desses "coronéis" que fundamentam seu poder em cima de concessões de rádio e TV. Estaremos livres dos dossiês mal redigidos que mudam as pesquisas presidenciais da noite para o dia. Pelo menos, é isso que eu acredito".

Revista zaP!- Quem é um gênio ou o "idiota" no meio literário?

Elenilson Nascimento- "O idiota é aquele que se acha gênio. E olha que existem muitos por aí".

Revista zaP!- Você por você, se autodefina:

Elenilson Nascimento- "Não sou muito bom de me definir. Então vou usar as palavras de uma jovem jornalista de Salvador numa entrevista para um jornal local: “Dono de uma personalidade forte, quando ele escreve parece que estamos em caos. Nele há duas pessoas: aquela que se revolta com o mundo e publica notícias em um jornal, evocando inquietude e nos deixando pensativos, expondo as suas cicatrizes e seus demônios internos e aquela outra que é tão singular, rodopiante, que deixa qualquer pessoa em descompasso. Ele consegue perceber as pequenas coisas, claro, só poderia ser um poeta. Engraçado, é que quando as suas palavras não estão presentes e o silêncio toma conta é quando se pode perceber o quanto ele é necessário. Ele não escreve poemas em cadernos, blogs ou coisas similares, as paredes de sua vida estão completamente rabiscadas, ele não quer se trancar entre quatro paredes, ele prefere estar preso entre palavras. Se Deus foi o tal que criou o pecado, a dor, o perdão, se ele é o que quer o perfeito e mesmo assim autoriza a imperfeição, (com todo o respeito aos leitores, para mim ele não passa de uma mitologia, o mito justificando algo até então injustificável), Elenilson um cara valente, um menino que brinca com as palavras, um anjo caído (in)verso."

Revista zaP!-Deixe uma mensagem e um poema, que você considere importante, ou apenas queira citar e divulgar.

Elenilson Nascimento- "O frio fazia tremer os dentes e tremer as pernas quando parava. O guichê caiu violentamente, me atirei contra ele. Era outro preso, o faxina: estava distribuindo água, quer dizer, enchendo nossos copos de água. Seus olhos gulosos percorreram meu corpo desnudo. Fiquei envergonhado e muito ofendido. Calei-me, toda minha capacidade de indignar-me estava agora recolhida. Só queria sobreviver. Esse texto que me chamou atenção, sobre os presidiários que estão a escrever cada vez mais e melhor; e que muitos críticos podem até considerar como uma "arte menor", mas os artífices da nova palavra enjaulada têm um nome e chama-se Luiz Alberto Mendes. Fiquei muito impressionado com o texto "Cela Forte" do Mendes, tanto que já conhecia suas linhas e também já o havia citado no meu romance "Clandestinos". Mendes estava preso desde os 19 anos por assassinato – recentemente ele apareceu na TV num programa da Record – foi condenado por homicídio a 74 anos de cadeia. Hoje, tem uma aflição e uma necessidade de expressão muito grande de sangrar que só encontrei nos textos de Dostoiévski, onde a prisão parece ser o último bastão de escrita. Em suma: gosto muito da escrita dele e acho que todos deveriam conhecer. Mendes é autor de "Memórias de um Sobrevivente"".

Blogs: 







*Nota: Por questões que não nos compete aqui enumerar, mantemos na íntegra e sem cortes a entrevista com o escritor Elenilson Nascimento, garantindo que seja preservado seu direito à Liberdade de Expressão. Esclarecendo ainda, que toda e qualquer resposta de nossos entrevistados, explanam a opinião pessoal de cada um, portando, responsabilidade intransferível quanto as respostas dos mesmos, não garantindo assim, serem as mesmas opiniões de nossos veículos e entrevistadores.













A


O HOMEM QUE SE ESPREMIA  
NO TRAGE DA COR DO MUNDO





MUITOS românticos modernos, inconformados com o labor da vida árdua, estão por aí devaneando nos bares, nas filas dos cinemas, nas passarelas, nas avenidas, nos parques, nos palanques, nos teatros e nas catedrais. Por isso, sem muita distinção, são tachados de “sonhadores”, mas não se movem, nem sequer lamentam.
Brasileiros esquecem tudo muito rápido, acaso estejam numa festa, com cerveja numa das mãos (aliás, que propaganda linda foi aquela do casamento perfeito da cerveja com o seu “bebedor”) e com bolachinha de maconha na outra. Então, negarei o texto do Jabor em que ele confessava não gostar do papa que morreu. Mas, como todo mundo sabe, aquele papa morto era mesmo pop, aliás, o favelado, hoje, também é pop; o periférico também é pop; Elza Soares também é pop; a tola consequência da vida também é pop, mas o ACM não. O ACM nunca vai ser pop.
E agora, entre resignações, lá estava o Miranda perdido e atenuando entre os seus pensamentos, preso entre os seus desejos, morto em seu silêncio na pausa das coisas feitas.
Era um homem moreno, tinha sapatos e roupas com as marcas arrancadas à margem de uma cidade litorânea brasileira, à margem de um estado de feitura de indagações, numa síncope como a da própria humanidade. Mas ele sobrevivia num país litoraneamente perdido que eternamente espera a chuva para se maquiar com um verão em final de tendências da C&A com o Ricky Martin e com um esquecimento do que seja in-conveniente com a Camada de Ozônio.
E foi assim, e deu-se assim: quando pousou os óculos de lentes grossas de professor sobre a mesa de madeira para a leitura das coisas coisificadas do mundo, ele foi parar na cruz sofrendo, veio calado e foi-se voando, sem memórias afetivas agora sofrendo... Calado, eternamente introspectivo, pensativo, com medo dos homens, com pena dos homens, nublado como o tempo cheio de respostas que desvendam o seu mistério, cauteloso, sem nome, sem fala, se dando melhor com as coisas coisificadas à sua gente, sem marcas da cruz, claustrofóbico em seus segredos entre as pálpebras encerradas e em seus dilemas com humanidade, em sua aversão santa, em sua reclusão santa, em sua perseverança santa, saudoso de Adão, de Eva, da cobra e do paraíso.
Outro dia, ele se percebeu vendo os guerrilheiros e decadentistas oitocentistas caras-pintadas nas ruas. Percebeu atônito quanto o seu país de falsos costumes que não tem problemas aparentes, só audiências em tardes de domingo, e muito litoral em torno do que seja caótico ou simplesmente ocioso. Não sabia como pôde aturar tudo aquilo por todo aquele tempo, como uma marchinha de carnaval fora de época. Aliás, ele botou um piercing na língua para saber o que seria a monotonia de estar desamparado com uma agulha superfina na sua pele de veias azuis.
Então, ele entrou numa farmácia de esquina, dessas que percebemos que anda em crise pela quantidade de absorventes femininos expostos nas prateleiras e encontrou uma prateleira estocada com dez marcas diferentes de escovas de dente, cada uma oferecendo dez maneiras diferentes de escovadas; cada modelo típico, dez cores típicas; cada cor demasiadamente típica, dez escovas presas nos ganchos típicos. Deve haver umas dez mil escovas de dente em exibição e os fregueses caminham alheios à abundância que os cerca; além, é claro, dos dez mil esmaltes de unha expostos, os dez mil prendedores de cabelo ex-postos e os dez mil batons expostos. Tudo isso ele encontrou numa farmácia de esquina.
Mas a cidade que nunca dorme, desmontada em sua crença de carpe diem, tachava o Miranda, esse senhor X, esquizofrênico, louco, apopléctico, catatônico, tedioso, com amnésia lacunar. Porém, Deus era assim mesmo, como em suas escrituras em que deixou o seu único filho morrer entre ladrões, não sem antes ser confundido como um lunático, onde sempre diziam que Ele viria feito à democracia do nosso país que nunca veio, já que Tancredo Neves nunca a quis. E veio na figura tão comum e franzina num Brasil cheio de culpa, com suas mãos grandes e hipertrofiadas, cabelos crespos arrepiados, nariz adunco, com habilidades especiais, em silêncio, meditativo e até respeitoso. Tinha na frente a transformação do ser humano nisso aqui que vem dentro da gente, nisso que é tão normal se não fosse tão terreno.
Eu já havia avisado que ele acabaria sendo assaltado. Tuas mãos para o alto. Teus olhos em mim. Tua boca em espanto num riso enviesado. Eu avisei. Avisei várias vezes por si-nal. Se realmente ele viria de mãos abanando, precisava saber que não sairia incólume. Eu, contudo, não peço mais nada. Não pergunto uma única coisa. Eu pego o Sancho Pança, cheio de si e de senso comum, que declara ao Dom Quixote sobre o eterno mistério de todos os enterros das valas. Nem quero mais saber se aqueles versos eram ou não para mim. Não leio mais a fatura do seu cartão de crédito. Rasgo tuas desculpas. Cuspo em tua boca. Jogo-te no canto. Ponho o dedo sobre teus lábios incrédulos. Não fales mais nada. Não ouses gritar. Nenhum gesto bruto mais. Quero-te muito quieto enquanto invado e sacudo e reviro teus bolsos da calça e tua pele suada.
Hoje ele rouba o que encontra. Fareja tudo. Violenta a minha gentileza e o meu respeito. Agora ele não pode mais ir embora, pois nem deixou marcas ou pistas para que eu o denuncie no vilarejo perdido ali entre as agonias do mundo. Na varanda ele descansa e vê o horizonte deitar no chão para acalmar o coração do cão faminto. Ele tem um jeito imprevisível na terra de heróis mortos, lares de mãe doentes, mas o paraíso se mudou para lá. E, como numa história maldita, ficou com tudo que encontrou sobre a minha carne viva.
E a humanidade dispersa, em mosaicos, em esperanças, em aridez, em saudades divinas, aqueles que acreditam que ele vinha dividindo mares, devassando guerras, desconstruindo pentágonos e, casas brancas e estilhaços, ceifando vidas, abrindo grutas e clareiras, apontando saídas ou legenda – este Miranda era o de antes, o Miranda de agora é o das sutilezas. O homem que já fez a sua vez. Vai, eu disse. Era um sequestro relâmpago. Não há preço pelo teu resgate. Te solto entre as covas. Deixo-te entre o abismo. Já tenho na língua molhada o teu gosto. Tirei tua temperatura. Se tivesse febre de desejo, agora é só meu entre os cacos de vidro. Nos olhos prendo o oceano imensamente azulado do teu riso irônico. Não te machuquei. Você me machucou. Foi um assalto à mão amada, com sangue derramado no chão.
Mas por cima da tua casa apenas cal, crianças mortas, roupas no varal, dedos no jornal e frutas verdes em qualquer quintal. Então, vinha um somzinho do Karnak num radinho de pilha ao longe que lhe desamparava como as paredes frias e turvas de um sujo quase revelador (imaginava... imaginei... imagina-mos...). Naquele cenário de realidade omitida de suas aulas de catecismo com o padreco da paróquia do bairro, ele via o que era a vida sem maquiagem tal qual a versão da Igreja Católica, caótica por excelência.
“Peitos fartos, filhos fortes...”, sentia exatamente o contrário de quando ouviu a música da Marisa de paz e de reflexão de fim de ano em roupa branca, no escuro do vidro fumê do seu carro. Uma música meio de contracultura na voz da deusa Monte e as Marias de todos os dias na merda. Ele, desesperado, sentiu raiva de cada acorde do Zé Tribalista que era amigo da sua família. E mais uma vez a família lhe assaltava a calma – e entre eles e os ladrões – não havia diferença alguma. Quem roubou mais da Maria em cada zapping do seu controle remoto de TV a cabo? Resposta: o Miranda.
Ao ser questionado, ele não falava absolutamente nada, lhe deram um papel. E Deus, nesta versão globalizada, desacreditado de gente (foi assim com suas escrituras) que só para o Miranda, Ele falou. E escreveu, desenhou um livro rasgado em cima de um piano velho e, levado a Ele, tocou por duas horas seguidas o Bolero de Ravel. Se outrora Ele deu um sopro de vida, agora, era fônico, com música derramou na humanidade, a humanidade de volta.
O Miranda de agora toca música clássica ao piano desenhado no papel, é sensível, é invisível (as suas roupas não têm marcas) para um mundo mais efêmero e mais rebuscado em sua tecnologia também tosca. Ele é o que não seja efêmero, veio e tocou piano por duas horas numa punição aos homens que não ouvem nem mais um “eu te amo” na sua junção tão enigmática como a sua palavra. E tocou sozinho, no seu autismo de partituras.
Talvez eu tenha sido o único que tenha percebido esta aparição tão moderna e tão sem sentido numa foto de jornal em que Ele parecia estar olhando para mim, para o meu país, para o mundo todo. E tão única, por ser universal e tão esperada e, por assim ser, veio tão simples... Mas talvez só eu tenha percebido aquele outro Miranda com perfil egocêntrico demais, didático demais, formal demais, sem nome e, sem história para contar. Talvez envergonhado com tudo o que ele criou, veio assim como uma forma de pedir desculpas, sem a sua cruz estilizada e que veio para reintegrar o mundo partido por seguranças, mas ele próprio estava inseguro (eu também estava inseguro) e veio assim: inerte, impreciso, óbvio, desajuizado, jovem, enigmático, breve, sigiloso, latente, imperfeito, humano. E foi achado, mesmo estando perdido nesse mundo de coisas coisificadas.






 CARO ELENILSON,SEJA BEM VINDO Á NOSSA SELETA!